Discute-se, atualmente, com um certo fervor e veemente condenação, o fenómeno da corrupção, considerando-a uma chaga que se alastra preocupantemente. Ouve-se da boca dos mais altos e responsáveis dirigentes, o apelo ao combate à corrupção, a condenação exemplar dos alegadamente corruptos e seus corruptores. Naturalmente que não é lícito generalizar esta prática e, nesse sentido, é justo afirmar-se, até com orgulho, que Portugal não é um país onde aquele comportamento seja preocupante.
Propõem-se e elaboram-se leis, regulamentos e normas punitivas. Criam-se Serviços Especializados e repressivos para combater o fenómeno. Condenam-se, em praça pública, com violação do direito ao bom-nome e da presunção de inocência, até prova em contrário; infringem-se os mais elementares direitos de defesa dos arguidos indiciados em tais situações. Institui-se uma verdadeira caça ao homem e/ou ao grupo apelidado de corrupto. Também neste domínio, deve haver a máxima circunspeção e respeito.
Enfim, em nome da moralização do regime, da dignificação das instituições e da fuga a qualquer “coisa”, normalmente, aos impostos, tudo será possível fazer-se, incluindo a intromissão na vida privada das pessoas, embora, constitucional e moralmente não se afigure que estes procedimentos sejam os mais adequados e eficazes.
O outro lado da questão não tem sido discutido. Que razões, motivos, causas e argumentos podem estar na tentativa de justificação de tal fenómeno, denominado por corrupção? Alguém pensou que algumas das causas que poderão estar subjacentes são as desigualdades: social, económica, política, educativa e outras? Pode acontecer, mas isso não justifica que se defenda essa prática nociva aos interesses coletivos.
Que a discriminação negativa, entre cidadãos de uma mesma pátria, naturais ou nela residentes, que servem o mesmo patrão, mas que não beneficiam das mesmas regalias e privilégios, pode ser, também uma das origens desta situação?
E, concetualmente, quem é corrupto e quem é corruptor? E qual dos papéis é mais grave? A noção popular aponta como corrupta toda a pessoa, e/ou grupo, que recebe valores materiais, favores especiais, privilégios únicos, em troca de um serviço, de uma influência, de uma decisão favorável, prestados a outro que, legalmente, não teria direito, gratificando em troca aquele que lhe prestou tal serviço.
E como se classificaria, o legislador, o executivo, o político e o cidadão, que decide em favor de uma pessoa, grupo ou instituição, para receberem benefícios, neste caso legais, mas que a generalidade da população não tem?
Então, como se pode condenar, quantas vezes na praça pública, aqueles que, sentindo-se injustiçados, incompreendidos e mal remunerados, recebem, sem o exigirem, uma prenda, um benefício, uma atenção monetária, de quem foi, direta ou indiretamente, favorecido?
A democracia só se fortalece com cidadãos bem formados, em todas as suas possíveis dimensões, em especial aqueles que exercem funções públicas, nos diversos organismos e instituições do poder político central, regional e local, quaisquer que sejam as áreas de intervenção.
O Cidadão-Político, em democracia: não pode circunscrever-se ao seu reduto do poder; ceder às pressões de amigos, grupos e instituições; não deve furtar-se ao debate e à crítica e, acima de tudo, deve prestar contas pelos seus atos, ao povo que o elegeu; deve lutar com todas as suas forças para nivelar as situações de vida da população que nele confiou, especialmente daquelas pessoas mais desfavorecidas.
Não se trata de retirar direitos adquiridos, legal e legitimamente, a quem os usufrui, mas atribuir iguais benefícios e direitos, a quem ainda deles não beneficia. Nivelar a sociedade por cima, por referência a quem já está numa situação confortável. A democracia também é igualdade de oportunidades para todos os cidadãos, porque não pode haver cidadãos de primeira, de segunda e por aí adiante, quaisquer que sejam as suas origens étnicas, religiosas, filosóficas, políticas ou outras.
O Cidadão-Político ao serviço da democracia tem, portanto, o dever de ouvir aqueles que o elegeram, de com eles debater os problemas e decidir de acordo com a vontade da maioria, sempre no respeito pelos direitos da minoria porque: «A democracia implica debate e discussão, mas estas não são suficientes se forem inconclusivas e ineficazes na determinação da conduta política. O resultado dessas discussões devia ser as decisões populares e as reivindicações populares; e porque numa democracia é o povo e não o governo ou o parlamento que é soberano, é obrigação do governo aceitar e executar a vontade popular.» (ARBLASTER, 1988:146).
Bibliografia
ARBLASTER, Anthony, (1988). A
Democracia, Tradução, M.F. Gonçalves de Azevedo, Lisboa: Editorial Estampa,
Temas Ciências Sociais. (7) pp. 11-23.
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente
do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
http://nalap.org/Directoria.aspx
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