MURMÚRIO DE AVE MARIA - ULISSES DUARTE



Ungiste-me de lágrimas alegres,
no dia em que nasci;
e foste bendita entre as mulheres, 
só porque foste minha.
Sentaste-me num trono: - o teu regaço.
E quando adormeci,
era meu berço, o berço dos teus braços…
Havia mais estrelas nos espaços
e a brisa erguia aos Céus
um hino para Ti.

Assim cresceu de ti o eu-menino
             bebendo dos teus seios, poesia.

             E,
             quando à tarde,
             da ermida lá da serra,
             convidava à oração,
             oalegre sino,
             Punha ao Teu lado o meu joelho em terra
             e rezava contigo:
           - Avé-Maria!

O toque do sino é o mesmo
             arevoar nos montados…
Mas nos olhos da saudade,
              vivem travos de finados!

Como eu, 
Pequeno enlevado pelos mistérios da Luz,
ao ver-te, Mãe, ao meu lado,
Já me julgava Jesus!

No altar-mor 
Nossa Senhora sorria para nós dois.
… Eu recitava de cor as orações que aprendi…
Rezavas por mim a Ela.
Eu rezava para ti.

As orações
São na mesma como no tempo passado!
Mas hoje,
ao pronunciá-las, 
sabe-me a boca a pecado.

SENHORA CHEIA DE GRAÇA!
VERBO DIVINO DA VIDA!
HARPA INFINITA DOS CRENTES!
AURORA DE FÉ E ESPERANÇA!
Fazei-me orar novamente
o SALMO DOS INOCENTES
Como rezava em criança!
Fazei de mim o JESUS-DO-MEU-TEMPO-DE-MENINO!
…Um Jesus sem ver a cruz
tecida pelo destino…

E,
quando o sino da ermida tocar as Avé-Marias
à tardinha, ao sol poente,
hajam de mim melodias
duma oração inocente!

Oh! Mãe!
Eu também sou mãe
quando os meus versos se geram
no ventre da minha alma.
Levam parte das entranhas da vida da minha vida!
São filhos que dilaceram
deixando a alma em ferida!

Pobrezinhos!...
Desgraçados!...

Levam por berço a saudade!
…Um berço entretecido de espinhos do sofrimento…
Mas são meus! São muito meus!
São gerados no momento em que sou todo verdade!
E
de Verdade a escorrer ns veredas do passado,
Com o meu-batel-de-sonho sobre o mar-encapelado;
de estrelas verdes nas mãos,
lá vão meus versos, seguindo!
Vão seguindo…
              Vão seguindo…
Levam a Terra nas veias.
Nos lábios, ópios da vida.
No coração a canção, 
toda Verdade, despida
de alegrias, minha Mãe!

- Quem pode ter alegrias,
               se de alegrias, não tem?
É que meu-verso-menino embriagado de festa,
foi na gota do destino
perdida no tempo antigo…
            Murmúrio de Avé-Maria
                    quando rezava contigo!



Ulisses Duarte
(editado no seu livro TERRA E CÉU)


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