O catador- Ada Abaé


 U


 ma semana depois, pelas cinco e vinte da tarde, aguardava o autocarro no cruzamento entre a Avenida 118 e a Rua 97. Uns quinhentos metros do local onde trabalhava. Sentia-me frágil, mergulhada na escuridão e nos ruídos que caracterizavam aquela zona negligenciada em Edmonton. A falta de beleza estendia-se não apenas às árvores nuas, mas também aos edifícios desgastados, descoloridos e desprovidos de qualquer atração. A extensa avenida acolhia vários estabelecimentos comerciais de ascendência portuguesa.

    O meu olhar permanecia fixo na curva, na expectativa do autocarro 151. Alguns sem-abrigo vagueavam em busca de refúgio. Em meio a esse panorama desolador, surgiu um homem de aparência frágil, pedalando uma bicicleta tão desgastada quanto ele. Do seu rosto magro destacava-se o nariz longo e fino, tingido de um tom roxo. Era difícil determinar a idade de ambos. A bicicleta parecia murmurar, cansada, mas ainda obediente aos comandos do seu proprietário. Imaginei-a como um cão leal, aguardando pacientemente, enquanto o homem, de caixote em caixote, procurava ansiosamente por uma embalagem vazia, transformando a busca num jogo. Dois aventureiros percorrendo estradas, calçadas e relvados na busca incansável por tesouros descartados.
    Ao olhar para ele, sorri. Senti vontade de acender, mesmo que por breves instantes, uma centelha de esperança e mostrar-lhe que éramos semelhantes, apesar das aparentes diferenças. Com gentileza, ele elevou a mão direita e saudou-me. O seu rosto, apesar das marcas do tempo, iluminou-se por um momento, revelando uma expressão de respeito. Olhou-me nos olhos e exclamou em inglês:
    — Hoje tive um dia de sorte.
No breve, mas direto contato visual, as barreiras sociais desapareceram. Brotou uma rápida, mas reconfortante conexão entre as nossas almas. A presença dele aqueceu o meu espírito, proporcionando um agradável conforto ao meu corpo arrefecido pelos dez graus negativos. Apesar da sua posição desfavorável, ele emanava uma aura de gratidão. Seria pela vida, pela própria existência ou por ambas?
Assim como chegou, partiu.
    — Ainda bem que aqui no Canadá existem armazéns que recebem e pagam pelas embalagens para reciclagem — pensei — Entretanto, seria pertinente que o governo remunerasse esses indivíduos marginalizados. Eles contribuem para a preservação da limpeza na cidade. Possivelmente proporcionaria a muitos deles a restauração da autoestima.
 Fiquei a observá-los, o homem e a bicicleta, até o escuro os engolir. Involuntariamente, uma sensação de gratidão invadiu-me pelo encontro das nossas almas solitárias; uma que esperava chegar em casa e outra que seguia o fluxo da vida noturna.
 


Comentários