RUÍNA- Manoel de Barros- por Odilon Esteves





Um monge descabelado me disse no caminho: "Eu queria construir uma ruína. Embora eu saiba que ruína é uma desconstrução. Minha ideia era de fazer alguma coisa ao jeito de tapera. Alguma coisa que servisse para abrigar o abandono, como as taperas abrigam. Porque o abandono pode não ser apenas de um homem debaixo da ponte, mas pode ser também de um gato no beco ou de uma criança presa num cubículo. O abandono pode ser também de uma expressão que tenha entrado para o arcaico ou mesmo de uma palavra. Uma palavra que esteja sem ninguém dentro. (O olho do monge estava perto de ser um canto.) Continuou: digamos a palavra AMOR. A palavra amor está quase vazia. Não tem gente dentro dela. Queria construir uma ruína para a palavra amor. Talvez ela renascesse das ruínas, como o lírio pode nascer de um monturo". E o monge se calou descabelado.

                    Manoel de Barros

texto publicado originalmente no livro Ensaios Fotográficos, de Manoel de Barros, em 2000, pela Editora Leya.

´´ A primeira vez que vi a palavra "monturo" foi lendo este texto. Não sabia, obviamente, o que significava. Mas no contexto do poema, a intuição parece nos indicar que "monturo" deve ser um monte de coisa que não presta. Um passeio rápido pelo dicionário, e eis que monturo é mais ou menos isso mesmo: "1) Lugar onde de depositam dejeções, lixo, ou imundícies; lixeira. 2) Monte de lixo, de imundícies, de coisas sujas ou imprestáveis; 3) (fig.) Montão de coisas vis ou repugnantes." Então, saber que o lírio pode nascer de um monturo, depois de saber melhor o que é um monturo, parece potencializar a imagem". 

Passear pelo dicionário muitas vezes é mais que saber somente o significado das palavras. É dar contorno fotográfico às imagens contidas nas frases. Porque os sentidos do texto continuam infinitos, vastos, variados. E a primeira pessoa que me ensinou isso foi dona  Eliete, professora de literatura que tive na quinta série, na Escola Estadual Novo Cruzeiro. Ela e sua irmã, quando crianças, tinham, como brinquedo, um dicionário. Aprenderam desde cedo a fazer brinquedos com palavras. Aposto que Manoel de Barros, se tivesse conhecido as duas, teria se encantado.

quero agradecer à Sônia Vieira dos Santos pela grande ajuda, tendo encontrado esta tapera, e à Rosa Ferreira Dias que nos autorizou a gravar lá, nessa casa onde viveu por muito tempo seu tio. Às duas, muito muito obrigado!! ``

Odilon Esteves




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