Biografia - Luís de Camões




Luís Vaz de Camões (Lisboa[?], ca., 1524 — Lisboa, 10 de junho de 1579 ou 1580) foi um poeta nacional de Portugal, considerado uma das maiores figuras da literatura lusófona e um dos grandes poetas do Ocidente.

Pouco se sabe com certeza sobre a sua vida. Aparentemente nasceu em Lisboa, de uma família da pequena nobreza. Sobre a sua infância tudo é conjetura mas, ainda jovem, terá recebido uma sólida educação nos moldes clássicos, dominando o latim e conhecendo a literatura e a história antigas e modernas. Pode ter estudado na Universidade de Coimbra, mas a sua passagem pela escola não é documentada. Frequentou a corte de D. João III, iniciou a sua carreira como poeta lírico e envolveu-se, como narra a tradição, em amores com damas da nobreza e possivelmente plebeias, além de levar uma vida boémia e turbulenta. Diz-se que, por conta de um amor frustrado, autoexilou-se em África, alistado como militar, onde perdeu um olho em batalha. Voltando a Portugal, feriu um servo do Paço e foi preso. Perdoado, partiu para o Oriente. Passando lá vários anos, enfrentou uma série de adversidades, foi preso várias vezes, combateu ao lado das forças portuguesas e escreveu a sua obra mais conhecida, a epopeia nacionalista Os Lusíadas. De volta à pátria, publicou Os Lusíadas e recebeu uma pequena pensão do rei D. Sebastião pelos serviços prestados à Coroa, mas nos seus anos finais parece ter enfrentado dificuldades para se manter.

Logo após a sua morte a sua obra lírica foi reunida na coletânea Rimas, tendo deixado também três obras de teatro cómico. Enquanto viveu queixou-se várias vezes de alegadas injustiças que sofrera, e da escassa atenção que a sua obra recebia, mas pouco depois de falecer a sua poesia começou a ser reconhecida como valiosa e de alto padrão estético por vários nomes importantes da literatura europeia, ganhando prestígio sempre crescente entre o público e os conhecedores e influenciando gerações de poetas em vários países. Camões foi um renovador da língua portuguesa e fixou-lhe um duradouro cânone; tornou-se um dos mais fortes símbolos de identidade da sua pátria e é uma referência para toda a comunidade lusófona internacional. Hoje a sua fama está solidamente estabelecida e é considerado um dos grandes vultos literários da tradição ocidental, sendo traduzido para várias línguas e tornando-se objeto de uma vasta quantidade de estudos críticos.

Boa parte das informações sobre a biografia de Camões suscita dúvidas e, provavelmente, muito do que sobre ele circula não é mais do que o típico folclore que se forma em torno de uma figura célebre. São documentadas apenas umas poucas datas que balizam a sua trajetória. A Casa ancestral dos Camões tinha as suas origens na Galiza, não longe do Cabo Finisterra. Por via paterna, Luís de Camões seria descendente de Vasco Pires de Camões, trovador galego, guerreiro e fidalgo, que se mudou para Portugal em 1370 e recebeu do rei grandes benefícios em cargos, honras e terras, e cujas poesias, de índole nacionalista, contribuíram para afastar a influência bretã e italiana e conformar um estilo trovadoresco nacional. O seu filho Antão Vaz de Camões serviu no Mar Vermelho e casou-se com Dona Guiomar da Gama, aparentada com Vasco da Gama. Deste casamento nasceram Simão Vaz de Camões, que serviu na Marinha Real e fez comércio na Guiné e na Índia, e outro irmão, Bento, que seguiu a carreira das Letras e do sacerdócio, ingressando no Mosteiro de Santa Cruz dos Agostinhos, que era uma prestigiada escola para muitos jovens fidalgos portugueses. Simão casou com Dona Ana de Sá e Macedo, também de família fidalga, oriunda de Santarém. Seu filho único, Luís Vaz de Camões, segundo Jayne, Fernandes e alguns outros autores, terá nascido em Lisboa, em 1524. Três anos depois, estando a cidade ameaçada pela peste, a família mudou-se, acompanhando a corte, para Coimbra. Entretanto, outras cidades reivindicam a honra de ser o seu berço: Coimbra, Santarém e Alenquer. Apesar de os primeiros biógrafos de Camões, Severim de Faria e Manoel Correa, terem inicialmente dado o seu ano de nascimento como 1517, registos das Listas da Casa da Índia, mais tarde consultados por Manuel de Faria e Sousa, parecem estabelecer que Camões nasceu efectivamente em Lisboa, em 1524. Os argumentos para tirar a sua naturalidade de Lisboa são fracos; mas esta tampouco está completamente fora de dúvida, e por isso a crítica mais recente considera seu local e data de nascimento incertos.

Sobre a sua infância permanece a incógnita. Aos doze ou treze anos teria sido protegido e educado pelo seu tio Bento que o encaminhou para Coimbra para estudar. Diz a tradição que foi um estudante indisciplinado, mas ávido pelo conhecimento, interessando-se pela história, cosmografia e literatura clássica e moderna. Contundo, o seu nome não consta dos registos da Universidade de Coimbra, mas é certo, a partir do seu elaborado estilo e da profusão de citações eruditas que aparecem nas suas obras que, de alguma forma, recebeu uma sólida educação. É possível que o próprio tio o tenha instruído, sendo a esta altura chanceler da Universidade e prior do Mosteiro de Santa Cruz, ou tenha estudado no colégio do mosteiro. Com cerca de vinte anos ter-se-ia transferido para Lisboa, antes de concluir os estudos. A sua família era pobre, mas sendo fidalga, pôde ser admitido e estabelecer contactos intelectuais frutíferos na corte de D. João III, iniciando-se na poesia.

Foi aventado que ganhava a vida como precetor de Francisco, filho do Conde de Linhares, D. António de Noronha, mas hoje em dia isso parece pouco plausível.Conta-se também que levava uma vida boémia, frequentando tavernas e envolvendo-se em arruaças e relações amorosas tumultuosas. Várias damas aparecem citadas pelo nome em biografias tardias do poeta como tendo sido objeto de seus amores, mas embora não se negue que deva ter amado, e até mais de uma mulher, aquelas identificações nominais são atualmente consideradas adições apócrifas à sua lenda. Entre elas, por exemplo, falou-se de uma paixão pela Infanta Dona Maria, irmã do rei, audácia que lhe teria valido um tempo na prisão, e Catarina de Ataíde, que, sendo outro amor frustrado, segundo versões teria causado o seu autoexílio, primeiro no Ribatejo, e depois alistando-se como soldado em Ceuta. Os motivos para a viagem são duvidosos, mas a sua estada ali é aceite como facto, permanecendo dois anos e perdendo o olho direito em batalha naval no Estreito de Gibraltar. De regresso a Lisboa, não tardou em retomar a vida boémia.

Data de 1550 um documento que o dá como alistado para viajar à Índia: "Luís de Camões, filho de Simão Vaz e Ana de Sá, moradores em Lisboa, na Mouraria; escudeiro, de 25 anos, barbirruivo, trouxe por fiador a seu pai; vai na nau de S. Pedro dos Burgaleses... entre os homens de armas". Afinal não embarcou de imediato. Numa procissão de Corpus Christi altercou com um certo Gonçalo Borges, empregado do Paço, e feriu-o com a espada. Condenado à prisão, foi perdoado pelo agravado em carta de perdão. Foi libertado por ordem régia em 7 de março de 1553, que diz: "é um mancebo e pobre e me vai este ano servir à Índia". Manuel de Faria e Sousa encontrou nos registos da Armada da Índia, para esse ano de 1553, sob o título "Gente de guerra", o seguinte assento: "Fernando Casado, filho de Manuel Casado e de Branca Queimada, moradores em Lisboa, escudeiro; foi em seu lugar Luís de Camões, filho de Simão Vaz e Ana de Sá, escudeiro; e recebeu 2400 como os demais"

Viajou na nau São Bento, da frota de Fernão Álvares Cabral, que largou do Tejo em 24 de março de 1553. Durante a viagem passou pelas regiões onde Vasco da Gama navegara, enfrentou uma tempestade no Cabo da Boa Esperança onde se perderam as três outras naus da frota, e aportou em Goa em 1554. Logo se alistou no serviço do vice-rei D. Afonso de Noronha e combateu na expedição contra o rei de Chembé (ou "da Pimenta"). Em 1555, sucedendo a Noronha D. Pedro Mascarenhas, este ordenou a Manuel de Vasconcelos que fosse combater os mouros no Mar Vermelho. Camões acompanhou-o, mas a esquadra não encontrou o inimigo e foi invernar a Ormuz, no Golfo Pérsico.

Provavelmente nesta época já iniciara a escrita de Os Lusíadas. Ao retornar a Goa em 1556, encontrou no governo D. Francisco Barreto, para quem compôs o Auto de Filodemo, o que sugere que Barreto lhe fosse favorável. Os primeiros biógrafos, contudo, divergem sobre as relações de Camões com o governante. Na mesma época teria surgido a público uma sátira anónima criticando a imoralidade e a corrupção reinantes, que foi atribuída a Camões. Sendo as sátiras condenadas pelas Ordenações Manuelinas, terá sido preso por isso. Mas colocou-se a hipótese de a prisão ter ocorrido graças a dívidas contraídas. É possível que permanecesse na prisão até 1561, ou antes disso tenha sido novamente condenado, pois, assumindo o governo D. Francisco Coutinho, foi por ele liberto, empregado e protegido. Deve ter sido nomeado para a função de Provedor-mor dos Defuntos e Ausentes para Macau em 1562, desempenhando-a de facto de 1563 até 1564 ou 1565. Nesta época, Macau era um entreposto comercial ainda em formação, sendo um lugar quase deserto. Diz a tradição que ali teria escrito parte d’Os Lusíadas numa gruta, que mais tarde recebeu o seu nome.

Na viagem de volta a Goa, naufragou, conforme diz a tradição, junto à foz do rio Mekong, salvando-se apenas ele e o manuscrito d’Os Lusíadas, evento que lhe inspirou as célebres redondilhas Sobre os rios que vão, consideradas por António Sérgio a coluna vertebral da lírica camoniana, sendo reiteradamente citadas na literatura crítica. O trauma do naufrágio, conforme disse Leal de Matos, repercutiu mais profundamente numa redefinição do projeto d’Os Lusíadas, sendo perceptível a partir do Canto VII, sendo acusada já por Diogo do Couto, seu amigo, que em parte acompanhou a escrita. Provavelmente o seu resgate demorou meses a ocorrer, e não há registo de como isso ocorreu, mas foi levado a Malaca, onde recebeu nova ordem de prisão por apropriação indébita dos bens dos defuntos a ele confiados. Não se sabe a data exata de seu retorno a Goa, onde pode ter continuado preso ainda algum tempo. Couto refere que no naufrágio morreu Dinamene, uma donzela chinesa pela qual Camões se terá apaixonado, mas Ribeiro e outros afirmam que a história deve ser rejeitada.[23] O vice-rei seguinte, D. Antão de Noronha, era um amigo de longa data de Camões, tendo-o encontrado em Marrocos. Certos biógrafos afirmam que lhe foi prometido um posto oficial na feitoria de Chaul, mas não chegou a tomar posse. Severim de Faria disse que os anos finais passados em Goa foram entretidos com a poesia e com as atividades militares, onde sempre demonstrou bravura, prontidão e lealdade à Coroa.

É difícil determinar como terá sido o seu quotidiano no Oriente, além do que se pode extrapolar a partir de sua condição de militar. Parece certo que viveu sempre modestamente e pode ter compartilhado casa com amigos, "numa dessas repúblicas em que era costume associarem-se os reinóis", como citou Ramalho. Alguns desses amigos devem ter possuído cultura e assim a companhia ilustrada não devia estar ausente naquelas paragens. Ribeiro, Saraiva e Moura admitem que ele pode ter encontrado, entre outras figuras, com Fernão Mendes Pinto, Fernão Vaz Dourado, Fernão Álvares do Oriente, Garcia de Orta e o já citado Diogo do Couto, criando-se oportunidades de debates literários e assuntos afins. Pode ter frequentado também preleções em algum dos colégios ou estabelecimentos religiosos de Goa. Ribeiro acrescenta que

"Esta rapaziada que vivia em Goa, longe da Pátria e da família, no intervalo das campanhas contra o Turco (que ocorriam no verão) e muitos com pouco que fazer (no inverno), para além das preleções acima mencionadas e das leituras compulsivas (das quais muito dos clássicos: Ovídio, Horácio, Virgílio), das mulheres e guitarradas, convivendo entre si independentemente das diferenças sociais, devia reinar, divertir-se quanto baste, mesmo quando fazia poesia, sobretudo sátiras, com forte e negativo impacto social na época, susceptível de pena de prisão (Ordenações Manuelinas, Título LXXIX), e por isso com o pique da aventura e do risco. Exemplo disso é a Sátira do Torneio, uma zombaria a que se refere Faria e Sousa e que, ao contrário da Os Disbarates da Índia, não temos notícia de uma contestação erudita da autoria camoniana e que pode estar na origem de uma das prisões do nosso vate." 
É possível ainda que em tais reuniões, onde compareciam homens ao mesmo tempo de armas e de letras, e que buscavam, além do sucesso militar e a fortuna material, também a fama e a glória nascidas da cultura, como era uma das grandes aspirações do Humanismo do seu tempo, estivesse presente a ideia de uma academia, reproduzindo no Oriente, dentro das limitações do contexto local, o modelo das academias renascentistas como a fundada em Florença por Marsilio Ficino e seu círculo, onde eram cultivados os ideais neoplatónico 



A convite, ou aproveitando a oportunidade de vencer parte da distância que o separava da pátria, não se sabe ao certo, em dezembro de 1567 Camões embarcou na nau de Pedro Barreto para Sofala, na ilha de Moçambique, onde este havia sido designado governador, e lá esperaria por um transporte para Lisboa em data futura. Os primeiros biógrafos dizem que Pedro Barreto era traiçoeiro, fazendo promessas vãs a Camões, de tal modo que, passados dois anos, Diogo do Couto o encontrou em precária condição, conforme se lê no registo que deixou:

"Em Moçambique achamos aquele Príncipe dos Poetas de seu tempo, meu matalote e amigo Luís de Camões, tão pobre que comia de amigos, e, para se embarcar para o reino, lhe ajuntamos toda a roupa que houve mister, e não faltou quem lhe desse de comer. E aquele inverno que esteve em Moçambique, acabando de aperfeiçoar as suas Lusíadas para as imprimir, foi escrevendo muito em um livro, que intitulava Parnaso de Luís de Camões, livro de muita erudição, doutrina e filosofia, o qual lhe juntaram (roubaram). E nunca pude saber, no reino dele, por muito que inquiri. E foi furto notável.
Ao tentar seguir de volta com Couto foi embargado em duzentos cruzados por Barreto, por conta dos gastos que tivera com o poeta. Os seus amigos, porém, reuniram a quantia e Camões foi liberado, chegando a Cascais a bordo da nau Santa Clara em 7 de abril de 1570.

Depois de tantas peripécias, finalizou Os Lusíadas, tendo-os apresentado em récita para o rei D. Sebastião. O rei, ainda um adolescente, determinou que o trabalho fosse publicado em 1572, concedendo também uma pequena pensão a "Luís de Camões, cavaleiro fidalgo de minha Casa", em paga pelos serviços prestados na Índia. O valor desta pensão não excedeu os quinze mil réis anuais, o que se não era grande coisa, também não era tão pouca como se tem sugerido, considerando que as damas de honra do Paço recebiam cerca de dez mil réis. Para um soldado veterano, a soma deve ter sido considerada suficiente e honrosa na época. Mas a pensão só deveria se manter por três anos, e embora a outorga fosse renovável, parece que foi paga de forma irregular, fazendo com que o poeta passasse por dificuldades materiais.


Túmulo do poeta no Mosteiro dos Jerónimos.
Viveu seus anos finais num quarto de uma casa próxima da Igreja de Santa Ana, num estado, segundo narra a tradição, da mais indigna pobreza, "sem um trapo para se cobrir". Le Gentil considerou essa visão um exagero romântico, pois ainda podia manter o escravo Jau, que trouxera do oriente, e documentos oficiais atestam que dispunha de alguns meios de vida. Depois de ver-se amargurado pela derrota portuguesa na Batalha de Alcácer-Quibir, onde desapareceu D. Sebastião, levando Portugal a perder sua independência para Espanha, adoeceu, segundo Le Gentil, de peste. Foi transportado para o hospital, e faleceu em 10 de junho de 1580, sendo enterrado, segundo Faria e Sousa, numa campa rasa na Igreja de Santa Ana, ou no cemitério dos pobres do mesmo hospital, segundo Teófilo Braga. A sua mãe, tendo-lhe sobrevivido, passou a receber a sua pensão em herança. Os recibos, encontrados na Torre do Tombo, documentam a data da morte do poeta, embora tenha sido preservado um epitáfio escrito por D. Gonçalo Coutinho, onde consta, erroneamente, como tendo falecido em 1579. Depois do terramoto de 1755, que destruiu a maior parte de Lisboa, foram feitas tentativas para se reencontrar os despojos de Camões, todas frustradas. A ossada que foi depositada em 1880 numa tumba no Mosteiro dos Jerónimos é, com toda a probabilidade, de outra pessoa.

Os testemunhos dos seus contemporâneos descrevem-no como um homem de porte mediano, com um cabelo loiro arruivado, cego do olho direito, hábil em todos os exercícios físicos e com uma disposição temperamental, custando-lhe pouco engajar-se em brigas. Diz-se que tinha grande valor como soldado, exibindo coragem, combatividade, senso de honra e vontade de servir, bom companheiro nas horas de folga, liberal, alegre e espirituoso quando os golpes da fortuna não lhe abatiam o espírito e entristeciam. Tinha consciência do seu mérito como homem, como soldado e como poeta.

Todos os esforços feitos no sentido de se descobrir a identidade definitiva da sua musa foram vãos e várias propostas contraditórias foram apresentadas sobre supostas mulheres presentes na sua vida. O próprio Camões sugeriu, num dos seus poemas, que houve várias musas a inspirá-lo, ao dizer "em várias flamas variamente ardia". Nomes de damas supostas como suas amadas só constam primitivamente nos seus poemas, e podem pois ser figuras ideais; nenhuma menção a quaisquer damas identificáveis pelo nome é dada nas primeiras biografias do poeta, as de Pedro de Mariz e a de Severim de Faria, que apenas recolheram boatos sobre "uns amores no Paço da Rainha". A citação de Catarina de Ataíde só surgiu na edição das Rimas de Faria e Sousa, em meados do século XVII, e a da Infanta, na de José Maria Rodrigues, que só foi publicada no início do século XX. A decantada Dinamene também parece ser uma imagem poética antes do que uma pessoa real.Ribeiro propôs várias alternativas para explicá-la: o nome talvez fosse um criptónimo de Dona Joana Meneses (D.I.na = D.Ioana + Mene), um de seus possíveis amores, que morrera a caminho das Índias e fora sepultada no mar, filha de Violante, condessa de Linhares, a quem também teria amado ainda em Portugal, e apontou a ocorrência do nome Dinamene em poemas escritos provavelmente em torno da chegada à Índia, antes de ter passado à China, onde se diz que teria encontrado a moça. Também referiu a opinião de pesquisadores que alegam a menção de Couto, a única referência primitiva à chinesa fora da própria obra camoniana, ter sido falsificada, sendo introduzida a posteriori, com a possibilidade de que se trate ainda de um erro de ortografia, uma corruptela de "dignamente". Na versão final do manuscrito de Couto, o nome nem teria sido citado, ainda que a comprovação seja difícil com o desaparecimento do manuscrito.




Camões viveu na fase final do Renascimento europeu, um período marcado por muitas mudanças na cultura e sociedade, que assinalam o final da Idade Média e o início da Idade Moderna e a transição do feudalismo para o capitalismo. Chamou-se "renascimento" em virtude da redescoberta e revalorização das referências culturais da Antiguidade Clássica, que nortearam as mudanças deste período em direção a um ideal humanista e naturalista que afirmava a dignidade do homem, colocando-o no centro do universo, tornando-o o investigador por excelência da natureza, e privilegiando a razão e a ciência como árbitros da vida manifesta. Nesse período foram inventados diversos instrumentos científicos e foram descobertas diversas leis naturais e entidades físicas antes desconhecidas; o próprio conhecimento da face do planeta modificou-se depois dos descobrimentos das grandes navegações. O espírito de especulação intelectual e pesquisa científica estava em alta, fazendo com que a Física, a Matemática, a Medicina, a Astronomia, a Filosofia, a Engenharia, a Filologia e vários outros ramos do saber atingissem um nível de complexidade, eficiência e exatidão sem precedentes, o que levou a uma conceção otimista da história da humanidade como uma expansão contínua e sempre para melhor. De certa forma, a Renascença foi uma tentativa original e eclética de harmonização do Neoplatonismo pagão com a religião cristã, do eros com a charitas, junto com influências orientais, judaicas e árabes, e onde o estudo da magia, da astrologia e do ocultismo não estavam ausentes.[65] Foi também a época em que se começaram a criar fortes Estados nacionais, o comércio e as cidades se expandiram e a burguesia se tornou uma força de grande importância social e económica, contrastando com o relativo declínio da influência da religião nos assuntos do mundo.

No século XVI, época em que Camões viveu, a influência do Renascimento italiano expandiu-se por toda a Europa. Porém, várias das suas características mais típicas estavam a entrar em declínio, em particular por causa de uma série de disputas políticas e guerras que alteraram o mapa político europeu, perdendo a Itália o seu lugar como potência, e da cisão do Catolicismo, com o surgimento da Reforma Protestante. Na reação católica, lançou-se a Contra-Reforma, reativou-se a Inquisição e reacendeu-se a censura eclesiástica. Ao mesmo tempo, as doutrinas de Maquiavel se tornavam largamente difundidas, dissociando a ética da prática do poder. O resultado foi a reafirmação do poder da religião sobre o mundo profano e a formação de uma atmosfera espiritual, política, social e intelectual agitada, com fortes doses de pessimismo, repercutindo desfavoravelmente sobre a antiga liberdade de que gozavam os artistas. Apesar disso, as aquisições intelectuais e artísticas da Alta Renascença que ainda estavam frescas e resplandeciam diante dos olhos não poderiam ser esquecidas de pronto, mesmo que o seu substrato filosófico já não pudesse permanecer válido diante dos novos factos políticos, religiosos e sociais. A nova arte que se fez, ainda que inspirada na fonte do classicismo, traduziu-o em formas inquietas, ansiosas, distorcidas, ambivalentes, apegadas a preciosismos intelectualistas, características que refletiam os dilemas do século e definem o estilo geral dessa fase como maneirista.

Desde meados do século XV que Portugal se afirmara como uma grande potência naval e comercial, desenvolviam-se as suas artes e fervia o entusiasmo pelas conquistas marítimas. O reinado de D. João II foi marcado pela formação de um sentimento de orgulho nacional, e no tempo de D. Manuel I, como dizem Spina & Bechara, o orgulho havia cedido ao delírio, à pura euforia da dominação do mundo. No início do século XVI Garcia de Resende lamentava-se de que não houvesse quem pudesse celebrar dignamente tantas façanhas, afirmando que havia material épico superior ao dos romanos e troianos. Preenchendo esta lacuna, João de Barros escreveu a sua novela de cavalaria, A Crónica do Imperador Clarimundo (1520), em formato de épico. Pouco depois apareceu António Ferreira, instalando-se como mentor da geração classicista e desafiando os seus contemporâneos a cantarem as glórias de Portugal em alto estilo. Quando Camões surgiu, o terreno estava preparado para a apoteose da pátria, uma pátria que havia lutado encarniçadamente para conquistar a sua soberania, primeiro dos mouros e depois de Castela, havia desenvolvido um espírito aventureiro que a levara pelos oceanos afora, expandindo as fronteiras conhecidas do mundo e abrindo novas rotas de comércio e exploração, vencendo exércitos inimigos e as forças hostis da natureza.[69] Mas nesta altura, porém, a crise política e cultural já se anunciava, materializando-se logo após a sua morte, quando o país perdeu a sua soberania para Espanha.


De acordo com Monteiro, dos grandes poetas épicos da tradição ocidental Camões permanece o menos conhecido fora de sua terra natal e a sua obra-prima, Os Lusíadas, é o menos conhecido dos grandes poemas dessa tradição. Entretanto, desde o tempo em que viveu e ao longo dos séculos Camões foi louvado por diversos luminares não-lusófonos da cultura ocidental. Torquato Tasso, que dizia ser Camões o único rival que temia, dedicou-lhe um soneto, Baltasar Gracián elogiou a sua agudeza e engenho, no que foi seguido por Lope de Vega, Cervantes – que via Camões como o "cantor da civilização ocidental"– e Góngora. Foi uma influência sobre o trabalho de John Milton e vários outros poetas ingleses, Goethe reconheceu a sua eminência, Sir Richard Burton o considerava um mestre, Friedrich Schlegel o dizia expoente máximo da criação na poesia épica, opinando que a "perfeição" [Vollendung] da poesia Portuguesa era evidente nos seus "belos poemas", e Humboldt o tinha como um admirável pintor da natureza. August-Wilhelm Schlegel escreveu que Camões, por si só, vale uma literatura inteira.

A fama de Camões iniciou a expandir-se através de Espanha, onde teve vários admiradores desde o século XVI, aparecendo duas traduções d’Os Lusíadas em 1580, ano da morte do poeta, impressas a mando de Filipe II de Espanha, então rei também de Portugal. No título da edição de Luis Gómez de Tápia, Camões já é citado como "famoso", e na de Benito Caldera ele foi comparado a Virgílio, e quase digno de igualar Homero. Além disso, o rei concedeu-lhe o título honorífico de "Príncipe dos poetas de Espanha", que foi impresso numa das edições. Na leitura de Bergel, Filipe estava perfeitamente a par das vantagens de usar, para os seus próprios propósitos, uma cultura já estabelecida, em vez de suprimi-la. Sendo filho de uma princesa portuguesa, não tinha interesse em anular a identidade lusa nem as suas conquistas culturais, e foi-lhe vantajoso assimilar o poeta para dentro da órbita espanhola, tanto para assegurar a sua legitimidade como soberano das coroas unidas como para engrandecer o brilho da cultura espanhola.

Logo a sua fama alcançou a Itália; Tasso chamou-o "culto e bom" e Os Lusíadas foi traduzido duas vezes em 1658, por Oliveira e Paggi. Mais tarde, associado a Tasso, tornou-se um paradigma importante no Romantismo italiano. A esta altura em Portugal já se formara um corpo de exegetas e comentadores, dando ao estudo de Camões grande profundidade. Em 1655 Os Lusíadas chega à Inglaterra na tradução de Fanshawe, mas só viria a ganhar notoriedade aí cerca de um século depois, com a publicação da versão poética de William Julius Mickle em 1776 que, embora bem sucedida, não impediu o surgimento de mais uma dezena de traduções inglesas até fins do século XIX. Chegou a França no início do século XVIII, quando Castera publicou uma tradução do épico e no prefácio não poupou elogios à sua arte. Voltaire criticou certos aspetos da obra, nomeadamente a sua falta de unidade na ação e mistura de mitologia cristã e pagã, mas também admirou as novidades que ela introduziu em relação às outras epopeias, contribuindo poderosamente para a sua difusão. Montesquieu afirmou que o poema de Camões tinha algo do charme da Odisseia e da magnificência da Eneida. Entre 1735 e 1874 surgiram nada menos do que vinte traduções francesas do livro, sem contar inúmeras segundas edições e paráfrases de alguns dos episódios mais marcantes. Em 1777 Pieterszoon traduziu Os Lusíadas para o holandês e no século XIX surgiram mais cinco outras, parciais.

Na Polónia Os Lusíadas foi traduzido em 1790 por Przybylski e, desde então, tornou-se intimamente integrado na tradição literária polonesa, tanto que, pela sua erudição, no século XIX foi um elemento indispensável na educação literária local e foi intensivamente analisado pelos críticos polacos que o viam como o melhor épico da Europa moderna. Ao mesmo tempo, a pessoa de Camões, com a sua vida atribulada e seu "génio incompreendido", tornou-se um ícone exemplar para a geração romântica e nacionalista polaca que se apropriou da sua figura, como disse Kalewska, quase como se fosse um polaco disfarçado, exercendo grande impacto na formação do nacionalismo polaco e sobre sucessivas gerações de escritores do país. Em 1782 apareceu a primeira tradução alemã, ainda que parcial. A primeira versão integral veio à luz entre 1806 e 1807, trabalho de Herse, e no final da centúria Storck traduziu as suas obras completas e ofereceu um estudo monumental: Vida e Obra de Camões, traduzido para o português por Michaëlis.

Camões foi uma das mais fortes influências sobre a formação e evolução da literatura brasileira, uma influência que começou a ser efetiva a partir do período barroco, no século XVII, como se constata pelas semelhanças entre Os Lusíadas e o primeiro épico brasileiro, a Prosopopeia, de Bento Teixeira, de 1601. As poesias de Gregório de Matos também foram muitas vezes decalcadas do modelo formal camoniano, embora o seu conteúdo e tom fossem bem outros. Mas Gregório usou paródias, colagens, citações diretas e até cópias literais de trechos de vários poemas de Camões para construir os seus. Com Gregório iniciou-se um processo de diferenciação da literatura brasileira em relação à portuguesa, mas não pôde evadir-se de, ao mesmo tempo, preservar muito da tradição camoniana. Durante o Arcadismo continuou a prática da rutura paralela à recriação e a influência d’Os Lusíadas aparece nas obras O Uraguai, de Basílio da Gama, e em Caramuru, de frei Santa Rita Durão, dos dois o mais próximo da fonte original, tanto em forma como em visão de mundo. A lírica de Cláudio Manuel da Costa e Tomás António Gonzaga também é grandemente devedora de Camões. Maria Martins Dias encontrou influência camoniana também sobre a literatura brasileira contemporânea, citando os casos de Carlos Drummond de Andrade e Haroldo de Campos.


Durante o Romantismo, não só na Polónia, como foi dito, mas em vários países da Europa, Camões foi uma figura simbólica de grande destaque, popularizando-se versões da sua biografia que o retratavam como uma espécie de génio-mártir, com uma vida dificultosa e penalizado ainda mais pela ingratidão de uma pátria que não soubera reconhecer a fama que ele lhe trouxera, sublinhando-se o facto de a sua morte ocorrer no ano em que o país perdia a independência, unindo-se assim o triste destino de ambos.[139] Na interpretação de Chaves, a recuperação romântica de Camões constituiu um mito com base tanto na sua biografia como na sua lenda, e cuja obra fundia elementos do belo imaginoso da tradição italiana com o sublime patriótico da tradição clássica, veiculando a partir do início do século XIX "uma mensagem liberal de grande dimensão humana... um recriador e um instrumento de uma importante tradição literária antiga, um herói nacional de imutável destino em que no seu mítico percurso existencial tal como na sua obra se projetaram sonhos, esperanças, sentimentos e paixões humanas".

Durante longo tempo, a maior parte da sua fama repousou apenas sobre Os Lusíadas mas, nas últimas décadas, a sua obra lírica vem recuperando a alta estima que lhe foi dedicada até ao século XVII. Curiosamente, foi na Inglaterra e nos Estados Unidos que permaneceu mais viva uma tradição, que remonta ao século XVII, de equilibrar o seu prestígio entre a épica e a lírica, incluindo entre os seus apreciadores, além dos citados Milton e Burton, também William Wordsworth, Lord Byron, Edgar Allan Poe, Henry Longfellow, Herman Melville, Emily Dickinson e especialmente Elizabeth Browning, que foi uma grande divulgadora da sua vida e obra. Foi produzida ainda muita literatura crítica sobre Camões nesses países, bem como várias traduções.
O grande interesse pela vida e obra de Camões já abriu espaço para o estabelecimento da Camonologia como uma disciplina autónoma nas universidades, oferecida desde 1924 na Faculdade de Letras de Lisboa e desde 1963 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Pelo Protocolo Adicional ao Acordo Cultural entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil, em 1986 foi instituído o Prémio Camões, o maior galardão literário dedicado à literatura em língua portuguesa, concedido àqueles autores que tenham contribuído para o enriquecimento do património literário e cultural da língua. Já receberam o prémio, entre outros, Miguel Torga, João Cabral de Melo Neto, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, José Saramago, Sophia de Mello Breyner, Lygia Fagundes Telles, António Lobo Antunes e João Ubaldo Ribeiro. Nos dias de hoje, estudado e traduzido para todas as principais línguas do ocidente e algumas orientais, é praticamente um consenso chamá-lo de um dos maiores literatos do ocidente, ombreando com Virgílio, Shakespeare, Dante, Cervantes e outros do mesmo quilate e há quem o tome como um dos maiores da história da humanidade. Reunida em Macau em 1999, a Organização Mundial de Poetas homenageou o espírito universalista de Luís de Camões, celebrando-o como um autor que ultrapassou barreiras temporais e nacionais.

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