Quadras - António Aleixo



Descreio dos que me apontem
uma sociedade sã:
isto é hoje o que foi ontem
e o que há-de ser amanhã.

Vós que lá do vosso império
prometeis um mundo novo,
calai-vos que pode o povo
qu'rer um mundo novo a sério.

Há luta por mil doutrinas.
Se querem que o mundo ande
façam das mil pequeninas
uma só doutrina grande.

O meu mais puro sorriso
eu não o mostro a ninguém;
mas sei rir, quando preciso,
a quem me sorri também

Se o hábito faz o monge
e o mundo quer-se iludido,
que dirá quem vê de longe
um gatuno bem vestido?

Nas quadras que a gente vê,
quase sempre o mais bonito
está guardado p'ra quem lê
o que lá não 'stá escrito.

Meus versos que dizem eles
que façam mal a alguém?
Só se fazem mal àqueles
a quem podem ficar bem.

António Aleixo, in "Este Livro que Vos Deixo..."
Vila Real de Santo António, 18 de Fevereiro de 1899 — Loulé, 16 de Novembro de 1949

Comentários

Eduardo Mesquita disse…
A humildade e a poesia com ensinamentos para a vida.
Admiro este poeta do povo que conseguiu transmitir singularmente episodios de uma vida marcada pela injustica.
Eduardo