Poema à mãe- Eugénio de Andrade

No mais fundo de ti
eu sei que traí, mãe!
no fundo dos teus olhos!

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais!

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura!

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...

Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? -,
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
"Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal..."

Mas - tu sabes! - a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu...

Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas...

Eugénio de Andrade

Comentários

Viviana disse…
Olá, Fernanda

Obrigada por ter publicado hoje, este tocante poema de Eugénio de Andrade.

É maravilhoso.

Eu já o conhecia e já o publiquei no meu blogue, há tempos. Mas sempre me toca, sempre o leio com emoçao.

Sei de cór as últimas linhas:

"Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas... "

Hoje, digo estas palavras á minha mãe, que agora mora no céu.

Um abraço

viviana
Minha querida Fernanda
Passei para deixar um beijinhos e desejar um feliz dia da Mãe.

beijinhos
Sonhadora