Uma recordação- Júlio Dinis



Lembra-me ver-te inda infante, 
Quando nos campos corrias
Em folguedos palpitantes; 
Eras bela! E então sorrias.

Depois, na infância, eras inda, 
Junto ao cadáver rezavas
De tua mãe, com dor infinda; 
Eras bela! E então choravas.

Num baile vi-te valsando
Da juventude nos dias,
Todos de amor fascinando;
Eras bela! E então sorrias.

Dias depois encontrei-te; 
Nos céus os olhos fitavas;
Sem me veres contemplei-te;
Eras bela! E então choravas.

Quando ao templo caminhando
Entre flores e alegrias,
De esposa a vida encetando,
Eras bela! E então sorrias. 

Quando na campa do esposo
Com teu filho ajoelhavas,
Grupo inocente e saudoso!
Eras bela! e então choravas.

Num ataúde deitada
Eu te vi em breves dias,
Mimosa flor desfolhada!
Eras bela! e então sorrias.

Sorrindo, na vida entraste, 
Sorrindo deixaste a vida; 
Alguma flor que encontraste 
A espinhos a viste unida.

Sim, às vezes tu sorrias, 
E os sorrisos o que são?
Quase sempre profecias
Das penas do coração.

Júlio Dinis
Fotografia de Joaquim Guilherme Gomes Coelho (Júlio Dinis)

1857.
Nota do Autor. - Sorrisos e lágrimas andam muitas vezes acompanhados, uns por os outros, na vida. Olhada por este lado. esta poesia é verdadeira. Alguma coisa me podiam dizer as minhas recordações, para o provar, mas não seria absolutamente o que escrevi. Neste ponto é ela mentirosa. É pecado de que me confesso arrependido

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