Abdicação- Fernando Pessoa


Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços 
E chama-me teu filho. 
Eu sou um rei que voluntariamente abandonei 
O meu trono de sonhos e cansaços.
Minha espada, pesada a braços lassos, 
Em mãos viris e calmas entreguei; 
E meu cetro e coroa — eu os deixei 
Na antecâmara, feitos em pedaços
Minha cota de malha, tão inútil, 
Minhas esporas de um tinir tão fútil, 
Deixei-as pela fria escadaria.
Despi a realeza, corpo e alma, 
E regressei à noite antiga e calma 
Como a paisagem ao morrer do dia. 

Fernando Pessoa

Comentários

Minha querida Fernanda

passando para ler mais um belo poema de Pessoa e deixar o meu beijinho.

Sonhadora
Tão sábias palavras de abandono. E eu que não conhecia este poema. Obrigada pela partilha.

Beijinho
Viviana disse…
Querida Fernanda

Que poema tão belo!

Toca-nos indelevelmente.

Obrigada por a partilha

Um grande abraço

viviana
Eduardo Mesquita disse…
Ser dono de um trono, mesmo que de sonhos, pode levar a que se perca o controle de uma vida que se teve como servo. O grande poder do Poder pode basear-se na interminavel canseira de se viver no topo, mas com a consciência que o verdadeiro descanso está nas origens.
É o regresso a essas origens de servidão e humildade que o autor necessita para de novo reencontrar a calma na noite que o faça sonhar com a realidade sem ter que se julgar um poderoso.
Eduardo Mesquita.