Às vezes entre a tormenta- Fernando Pessoa


Às vezes entre a tormenta, 
quando já umedeceu, 
raia uma nesga no céu, 
com que a alma se alimenta.
E às vezes entre o torpor 
que não é tormenta da alma, 
raia uma espécie de calma 
que não conhece o langor.
E, quer num quer noutro caso, 
como o mal feito está feito, 
restam os versos que deito, 
vinho no copo do acaso.
Porque verdadeiramente 
sentir é tão complicado 
que só andando enganado 
é que se crê que se sente.
Sofremos? 
Os versos pecam. 
Mentimos? 
Os versos falham. 
E tudo é chuvas 
que orvalham 
folhas caídas que secam.

Fernando Pessoa

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