O ciúme- Rubem Alves

    “Ela tinha a beleza tranquila da maturidade.
     Alguns fios de cabelo branco davam ao seu rosto um encanto especial.
     De hábitos domésticos e simples, um de seus prazeres era assentar-se numa poltrona e entrar na bolha que a leitura cria.
    Quem lê está num outro mundo, muito distante.
    O marido a observava de longe. Olhos que observam são aqueles que olham quando o outro não está olhando. Seu olhar era o de apaixonado que desconfia, olhar de ciúme. Os olhos do ciumento vigiam.
    Vigiam gestos, movimentos, horas, sorrisos.
    Vigiam porque as modulações silenciosas e distraídas da pessoa amada podem conter revelações sobre aquilo que ela esta pensando.
    O ciumento suspeita que o ser amado lhe esconda alguma coisa.
    Olha na esperança de ver algo escondido, de entrar dentro do segredo do outro. O ciumento detesta os pensamentos.
    Por mais que os vigie, eles estão além de sua vigilância.
    Ele queria adivinhar seus pensamentos.
    E a sua vigilância se exacerbava quando ela sorria ou ria.
    Como explicar este sorriso se ele, o marido, não estava dentro do livro?
    Ela não precisava dele pra ser feliz.
    Porque ali, mergulhada no livro, o marido não existia…”
    “O ciúme nasce quando se toma consciência de que a pessoa amada é livre. Ela é um pássaro pousado no ombro.
    Nada o prende. Pode voar quando quiser.”

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