Clarice Lispector (Chechelnyk, 10 de dezembro de 1920 — Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1977) foi uma premiada escritora e jornalista nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira — e declarava, quanto à sua brasilidade, ser pernambucana —, autora de romances, contos e ensaios sendo considerada uma das escritoras brasileiras mais importantes do século XX e a maior escritora judia desde Franz Kafka. Sua obra está repleta de cenas cotidianas simples e tramas psicológicas, sendo considerada uma de suas principais características a epifania de personagens comuns em momentos do cotidiano.
Nasceu em uma família judaica da Rússia que perdeu suas rendas com a Guerra Civil Russa e se viu obrigada a emigrar em decorrência da perseguição a judeus que estava sendo pregada então, resultando em diversos extermínios em massa. Clarice chegou ao Brasil , ainda pequena, em 1922, com seus pais e duas irmãs. A escritora dizia não ter nenhuma ligação com a Ucrânia - "Naquela terra eu literalmente nunca pisei: fui carregada de colo" - e que sua verdadeira pátria era o Brasil. Inicialmente, a família passou um breve período em Maceió, até mudar-se para o Recife, onde Clarice cresceu e onde, aos oito anos, perderia a mãe. Aos quatorze anos de idade, transfere-se com o pai e as irmãs para o Rio de Janeiro, onde a família estabilizou-se, e onde o seu pai viria a falecer, em 1940.
Estudou direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro, conhecida como Universidade do Brasil, apesar de, na época, ter demonstrado mais interesse pelo meio literário, no qual ingressou precocemente como tradutora, logo se consagrando como escritora, jornalista, contista e ensaísta, tornando-se uma das figuras mais influentes da literatura brasileira e do modernismo e sendo considerada uma das principais influências da nova geração de escritores brasileiros. É incluída pela crítica especializada entre os principais autores brasileiros do século XX.
Suas principais obras marcam cada período de sua carreira. Perto do coração selvagem foi seu livro de estreia; Laços de família, A paixão segundo G.H., A hora da estrela e Um sopro de vida são seus últimos livros publicados. Faleceu em 1977, um dia antes de completar 57 anos, em decorrência de um câncer de ovário. Deixou dois filhos e uma vasta obra literária composta de romances, novelas, contos e crônicas.
Registrada como Chaya Pinkhasovna Lispector (em russo Хая Пинхасовна Лиспектор), Clarice Lispector nasceu em 10 de dezembro de 1920 na aldeia de Chechelnyk, região da Podólia, então parte da República Popular da Ucrânia e hoje parte da moderna Ucrânia. Filha dos judeus russos Pinkhas Lispector e Mania Lispector (nascida Krimgold), seu nascimento se deu em meio aos preparativos da família para a fuga do país, em razão do antissemitismo resultante da Guerra Civil Russa (1918-1920). Pinkhas Lispector era um comerciante, filho do religioso Shmuel Lispector e da burguesa Heived. Pinkhas e Mania se casaram no ano novo de 1889, por determinação dos pais. Do casamento nasceriam três filhas: Leah, em 1911; Tania, em 1915; e Chaya (ou Haia), em 1920.
A fuga foi cogitada primeiramente por Mania Lispector e sua família, que já havia emigrado em sua maior parte para a América do Sul a fim trabalhar em organizações judaicas. No entanto, Pinkhas concordou com a emigração somente em razão do avanço dos pogroms, no fim da década de 1910. Por volta de 1918, a pobreza fez com que a família se mudasse para a cidade de Haisyn, também na Podólia (no atual Oblast de Vinnitsa), onde ocorreram alguns pogroms. Durante um deles, por volta de 1919, Mania foi estuprada por um grupo de soldados, que lhe teriam transmitido sífilis.
A proibição da emigração de judeus fez com que os Lispector buscassem meios ilegais em uma primeira tentativa, que falhou e que fez com que eles se mudassem para uma aldeia mais próxima das fronteiras, Chechelnyk. No inverno de 1921, conseguiram deixar a Ucrânia após alcançarem o rio Dniestre, através do qual foram levados à cidade de Soroco, então pertencente à Romênia e atualmente à República da Moldávia. Lá viveram em um albergue, e Mania foi internada em um hospital de caridade. Planejaram a fuga da Europa, com o intento de emigrar para o Brasil ou para os Estados Unidos, opção esta que acabou por ser inviável devido à aprovação do Emergency Quota Act, que dificultava a emigração do Leste Europeu.
Em 27 de janeiro de 1922, o consulado russo em Bucareste concede à família passaportes válidos para a emigração ao Brasil, que foi feita em uma viagem que passou de Hamburgo a Budapeste e Praga. Em Praga embarcaram em um navio brasileiro que os levou, em condições precárias, a Maceió, onde a irmã de Mania, Zicela, e seu marido, Joseph (ou José) Rabin os esperavam. No Brasil, os nomes russos foram substituídos por nomes da onomástica da língua portuguesa, com exceção de Tania: Pinkhas passou a ser Pedro; Mania transformou-se em Marieta; Leah virou Elisa; Chaya virou Clarice.
Em Maceió, a família continuou a viver em condições precárias e enfrentou alguns conflitos decorrentes das dificuldades econômicas e culturais. Para sustentar a família, Pedro tornou-se um pequeno mascate, comprando roupas velhas e usadas em áreas carentes para revendê-las aos comerciantes da cidade, e também deu algumas aulas particulares de língua hebraica para os filhos de alguns vizinhos e vendia cortes de linho. A situação melhorou somente quando Pedro, ao lado de José, passou a fabricar sabão, como fez na Ucrânia.
Em 1924, aos quatro anos de idade, Clarice ingressou no jardim de infância. Em 1925, após três anos morando em Maceió, mudou-se, pouco depois de seu pai, para Recife com sua mãe e irmãs, possivelmente em consequências dos conflitos familiares e do desejo de Pedro de melhorar as condições da família mudando-se para um centro económico que apresentava também uma população judaica mais coesa. Viveram no bairro Boa Vista.
Em 1928, aos sete anos, aprendeu a ler e a escrever. Em 1930, pouco depois, escreveu, inspirada por uma peça que havia visto, sua primeira peça teatral, Pobre menina rica, de três atos e cujas páginas foram perdidas. Em 1931, enviou contos para a página infantil do Diário de Pernambuco, mas o jornal não publicou seus textos porque “os outros diziam assim: ‘Era uma vez, e isso e aquilo...’. E os meus eram sensações. ... Eram contos sem fadas, sem piratas. Então ninguém queria publicar”. Após completar o jardim de infância, ingressou no ensino primário, na Escola João Barbalho, mostrando bastante interesse por matemática e passando a dar aulas dessa disciplina aos filhos dos vizinhos.
Por volta dessa época, mudaram-se para a rua Imperatriz Teresa Cristina. Em 1930, na terceira série, Clarice ingressou no Colégio Hebreu-Iídiche-Brasileiro, onde aprendeu hebraico e iídiche. O estado de Mania agravou-se, e Clarice escreveu, para tentar agradá-la, contos e peças, mas em 21 de setembro de 1930, aos quarenta e dois anos, Mania Lispector morreu e foi sepultada no Cemitério Israelita do Barro. Em homenagem à mãe, Clarice compôs sua primeira peça para piano.
Em 15 de dezembro, seu pai deu início ao processo de nacionalização, solicitando um documento inicial. Em 17 de junho de 1931, encaminhou um pedido de naturalização. Em 1932, Clarice, aos doze anos, foi aprovada, ao lado da irmã Tania e da prima Bertha, no Ginásio Pernambucano. Em 1933, decidiu tornar-se escritora quando “tomei posse da vontade de escrever ... vi-me de repente num vácuo. E nesse vácuo não havia quem pudesse me ajudar”. Na sua última entrevista em vida, ela disse que nessa sua formação literária “misturei tudo. Eu lia romance para mocinhas, livro cor-de-rosa, misturado com Dostoiévski. Eu escolhia os livros pelos títulos e não pelos autores. Misturei tudo. Fui ler, aos treze anos, Hermann Hesse, ‘O Lobo da Estepe’, e foi um choque. Aí comecei a escrever um conto que não acabava nunca mais. Terminei rasgando e jogando fora”. A família mudou-se para uma casa própria na avenida Conde da Boa Vista.
Em 7 de janeiro de 1935, com 14 anos, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, no navio inglês Highland Monarch, onde seu pai esperava dar prosseguimento aos avanços de seu negócio e conseguir bons maridos para suas filhas nos círculos judaicos cariocas. Elisa, entretanto, ficou ainda alguns meses em Recife trabalhando, indo para o Rio de Janeiro pouco mais tarde e prestando concurso para o Ministério do Trabalho. Apesar de ter conquistado as melhores notas, não havia vagas, e ingressou no cargo graças à amizade da família com o político Agamenon Magalhães, então ministro do trabalho e anteriormente professor de geografia[26] de Clarice e Tania. Em 1938, Tania também tornou-se funcionária pública.
Passam a primeira semana no Rio de Janeiro na residência de um casal judaico no bairro Flamengo e depois moram em uma casa antiga perto do Campo de São Cristóvão. Estabilizam-se na cidade logo em seguida, ocupando parte da casa 341 da rua Mariz e Barros, no bairro da Tijuca. Clarice então estudava o quarto ano do ginásio no colégio Sílvio Leite, na mesma rua de sua casa.
Em 1936, terminou o ginásio e ingressou, em 2 de março de 1937, em uma escola preparatória, a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, então chamada de Universidade do Brasil. A decisão causou estranhamento na época, tanto por Clarice ser mulher quanto por não pertencer à elite carioca, mas era justificada por seus desejos de mudanças sociais, pois “o que eu via [em Recife] me fazia como me prometer que não deixaria aquilo continuar”.
De acordo com ela, “como eu não tinha orientação de nenhuma espécie sobre o que estudar, fui estudar advocacia”. Apesar da relutância do pai, que temia mudanças estressantes na filha, ela seguiu com seus planos e tinha um objetivo: “Minha ideia ... era estudar advocacia para reformar as penitenciárias”.
Em 1938, mudou de escola preparatória, passando para o colégio Andrews, na praia de Botafogo, onde declarou-se nascida em Pernambuco. Por essa época voltou a dar aulas, desta vez visando ajudar a renda familiar através de aulas particulares de matemática e português, além de aprender datilografia e língua inglesa.
No Rio de Janeiro, os negócios de Pedro não obtiveram grande avanço, apesar de ele ter conseguido com dificuldade um emprego de representante comercial. Seu desejo de casar as filhas, entretanto, logrou através de Tania, que casou-se no início de 1938 com William Kaufmann, um judeu comerciante de móveis e decorador.
Por essa época deu-se o Estado Novo, por Getúlio Vargas, bem como o avanço da Segunda Guerra Mundial e a intensificação informal das relações do Brasil com a Alemanha nazista e outros regimes ditatoriais, que fizeram com que o antissemitismo penetrasse no Brasil e novamente interferisse na vida da família Lispector, cujo pai, sionista, inclusive arrecadava fundos para os judeus na Palestina, apesar dos riscos.
Em 1939, morando na rua Lúcio de Mendonça, no bairro Maracanã, ela ingressou no curso superior na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro ao mesmo tempo em que trabalha como secretária em um escritório de advocacia e em um laboratório, além de já estar fazendo traduções de textos científicos para revistas.
Em 1940, aos dezenove anos, seu interesse por direito havia diminuído, ao passo que por literatura aumentado, e ela publicou, em 25 de maio, seu primeiro conto conhecido, Triunfo, na revista Pan, em que conta-se os pensamentos de uma mulher abandonada por seu companheiro. A posição política da revista de apoio aos regimes ditatoriais, que era semelhante às de outras revistas desse período, todas censuradas, não foi levada em conta por Clarice ao publicar o conto.
Em agosto, seu pai passou mal e foi levado a um médico, que informou-lhe que sua vesícula biliar precisaria ser retirada através de uma cirurgia considerada simples, que foi marcada para 23 de agosto. Após voltar da clínica com uma forte dor, Pinkhas Lispector morreu três dias depois, em 26 de agosto de 1940, aos 55 anos.
Tania, por já estar casada e ter uma residência, foi quem a partir de então tomou conta das duas irmãs, insistindo para que elas fossem morar com ela e seu marido no apartamento nos jardins do Palácio do Catete, onde, devido ao tamanho, Elisa teve que dormir na sala e Clarice no quarto de empregada, no qual passava o tempo estudando e escrevendo.
Nessa época, insatisfeita com o trabalho de escritório, ela buscou entrar na área do jornalismo, apesar das dificuldades levantadas às mulheres. De acordo com o que diria anos mais tarde em uma entrevista, passou a andar pelas redações de revistas oferecendo seus contos, até que provavelmente um dia chegou à redação da revista Vamos Ler!, direcionada ao público masculino de classe alta.
A imprensa na época era estritamente censurada pelo governo de Getúlio Vargas e estava sob o jugo do órgão recém-criado do Departamento de Imprensa e Propaganda, que permitia a circulação de determinados periódicos, como a Vamos Ler!, onde Clarice mostrou seus textos ao jornalista Raimundo Magalhães Júnior, secretário do ministro de propaganda, Lourival Fontes.
Eu sou tímida e ousada ao mesmo tempo. Chegava lá nas revistas e dizia: “Eu tenho um conto, você não quer publicar?”. Aí me lembro que uma vez foi o Raymundo Magalhães Jr. que olhou, leu um pedaço, olhou para mim e disse: “Você copiou isto de quem?”. Eu disse: “De ninguém, é meu”. Ele disse: “Então vou publicar”
O primeiro texto publicado na revista foi provavelmente Eu e Jimmy, em 10 de outubro de 1940, um conto com temática feminista centrado na relação amorosa entre um homem e uma mulher. Depois disso, de acordo com Tania, Clarice buscou entrar em contato com Fontes para conseguir entrar definitivamente na imprensa.
Apesar das dificuldades para entrar na área, na qual, de acordo com Tania, “você não fazia nada se não tivesse relações”, Clarice buscou entrar em contato com Fontes, o qual “gostou dela e a contratou” para trabalhar como tradutora na Agência Nacional, uma agência de notícias do governo. Como não havia vaga para tradutor, foi designada como editora e repórter, a única mulher ali que ocupava tal cargo.
Na equipe da Agência Nacional, conheceu Lúcio Cardoso, um escritor e jornalista mineiro então com 26 anos, já respeitado no meio literário. Desenvolveu uma forte amizade por ele, que compartilhava dos mesmo gostos literários que ela, e chegou a desenvolver uma paixão não-correspondida, pois Cardoso era homossexual. A amizade com Cardoso e com o restante da equipe abre-lhe novas possibilidades profissionais e literárias, que fazem com que ela passe então a escrever e publicar prolificamente.
Em 1941, o trabalho como repórter fez com que ela fosse enviada para diversas localidades, como, por exemplo, à inauguração privada do Museu Imperial em Petrópolis, em 1º de maio, onde conheceu Getúlio Vargas; e a Belo Horizonte, em julho. Durante as viagens, publicou textos em periódicos de diversos lugares.
Em 19 de janeiro, publicou o artigo Onde se ensinará a ser feliz no periódico paulista Diário do Povo, sobre um evento presidido pela primeira-dama Darcy Vargas. Em 9 de agosto, o conto Trecho sai pela Vamos Ler!, sobre a espera de uma mulher por seu companheiro em um bar; no dia 30, Cartas a Hermengardo, trilogia de textos, no semanário Dom Casmurro, destinado ao público jovem da classe alta, em que uma mulher aconselha um homem a ouvir seus instintos.
No mesmo ano também escreveu outros contos que serão publicados somente na coletânea póstuma A bela e a fera (1979): em setembro, Gertrudes pede um conselho; em outubro, seu conto de juventude mais longo, Obsessão, cujo protagonista, Daniel, reaparecerá em seu segundo romance, O lustre (1946), anos mais tarde, e que era baseado em Cardoso, um homem pela qual a narradora apaixona-se e guia-a; e em dezembro, Mais dois bêbados.
Também dá partida a novos projetos na universidade, ainda objetivando o sistema penitenciário, através da colaboração com a revista universitária A Época, onde publicou os ensaios Observações sobre o fundamento do direito de punir, em agosto, e Deve a mulher trabalhar?, em setembro.
O primeiro ensaio chamou a atenção de estudiosos posteriores por dizer que “O homem é punido pelo seu crime porque o Estado é mais forte que ele, a Guerra ... não é punida porque se acima dum homem há os homens acima dos homens nada mais há”, o que foi interpretado tanto como uma justificativa filosófica e maquiavélica para a ditadura e o nazismo quanto um eco de um ateísmo incipiente de Clarice. Depois desse afastamento, no entanto, na mesma ela época passou a aproximar-se novamente da religião através de leituras de Franz Kafka, também judeu, e do filósofo Baruch de Espinoza, de quem foi encontrada uma antologia francesa na biblioteca de Clarice datada de 14 de fevereiro de 1941 e que inspirou a escrita de seu primeiro romance, Perto do coração selvagem (1942).
Por intermédio de Cardoso, passou a frequentar o grupo de amigos que encontrava-se no bar Recreio, na Cinelândia, e era composto por literatos como Vinicius de Moraes, Cornélio Pena, Rachel de Queiroz e Otávio de Faria. Através da Agência Nacional também conheceu o poeta Augusto Frederico Schmidt, que foi entrevistado por ela a propósito de fibras industriais, mas que, frente à admiração que Clarice expressou por sua poesia, deu início a uma amizade com ela que duraria o resto de sua vida.
Os textos escritos para a Agência Nacional nessa época seguem a linha editorial feita para agradar a censura do regime de Vargas, resumindo-se a entrevistas com coronéis e generais estrangeiros de passagem pelo Brasil e de coberturas de inaugurações de locais ligados ao governo.
Com o primeiro salário de jornalista comprou o livro Felicidade, de Katherine Mansfield, que a influenciaria ao longo da vida e sobre o qual comentara que “Este livrou sou eu!” em sua primeira leitura.
Ao final do ano, com a paixão por Cardoso superada, iniciou um relacionamento amoroso com Maury Gurgel Valente, futuro marido e então colega universitário de direito. Maury, nascido em 1921 no Rio de Janeiro, iniciou o curso em 1938, um ano antes dela, e mudou-se de países quase tanto quanto Clarice na infância.
Em 1942, passou as duas semanas das férias de janeiro na fazenda Vila Rica, em Avelar, no Rio de Janeiro, de onde manteve correspondência com Maury. Os dois ansiavam por casar-se, mas ele havia sido aprovado em agosto de 1940 no exame para o serviço estrangeiro e transformando-se em diplomata brasileiro, proibido portanto, pela legislação da época, de casar-se com uma estrangeira, no caso Clarice, ainda não naturalizada brasileira.
A naturalização só poderia ser requerida após o aniversário de 21 anos, em 10 de dezembro de 1941, e o pedido foi organizado logo depois por Samuel Malamud, advogado da Podólia e amigo da família. Em suas tentativas de apressar o processo, chegou a escrever a Getúlio Vargas, pois ele havia perguntado o motivo de ainda não estar naturalizada, mas o processo seguiu o tempo normal.
Em fevereiro, transferiu-se para a redação do jornal A Noite, cuja redação era dividida com a Vamos Ler! e, assim como esta, uma extensão do órgão governamental para o qual a Agência Nacional também trabalhava. Em 2 de março, ganhou seu primeiro registo profissional, trabalhando oficialmente como redatora sob salário de 600 mil réis.
Teve o primeiro contacto com textos de escritores modernistas como Fernando Pessoa, Cecília Meireles, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, através de leituras feitas com o amigo Francisco de Assis Barbosa. Este último aconselhou-a no processo de escrita de seu primeiro romance.
Em março, começou a planejar seu primeiro romance, Perto do coração selvagem, concluído em novembro e constituído basicamente de rascunhos e escritos separados, unidos em um livro por sugestão de Lúcio Cardoso, que também sugeriu um título, "Perto do coração selvagem", retirado de uma passagem do livroRetrato do artista quando jovem, de James Joyce, cujas técnicas, para Cardoso, remetiam às de Clarice.
Também em março deu início a O lustre.
Em 12 de janeiro de 1943, obteve a naturalização, e, em 23 de janeiro, em cerimónia civil, casou-se com Maury Gurgel Valente. Os dois mudam-se temporariamente para a casa dos sogros, Mozart e Maria José Gurgel Valente, no bairro da Glória, e depois para a rua São Clemente, em Botafogo.
Em 3 de maio, recebeu a carteira profissional do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Em 17 de dezembro, ela e seu marido formam-se em direito, e não comparecem à cerimónia de colação de grau.
Perto do coração selvagem foi encaminhado para os dirigentes do jornal A Noite, que também contava com uma editora, na qual foi publicado em dezembro de 1943, com impressão de mil exemplares. A pressão dos jornalistas fez com que o livro fosse publicado, dando à autora cem exemplares em troca dos direitos de venda e lucros posteriores, os quais foram enviados por ela a críticos.
A publicação foi recebida com furor no meio literário, causando principalmente elogios da crítica especializada e comparações com escritores europeus como Virginia Woolf, James Joyce e Marcel Proust, o que irritou Clarice, que anos mais tarde negaria a influência e afirmaria na época não ter lido nenhum livro desses autores. Também então começou-se um processo de mitificação da autora através do início dos boatos de que Lispector era um pseudônimo de um escritor famoso. A principal crítica negativa, de Álvaro Lins, sugeria que “temperamentos femininos” enfraqueciam a obra.
Em 11 de janeiro de 1944, adotou o nome de casada na carteira de trabalho, Clarice Gurgel Valente. No dia 19, mudou-se, sob licença do A Noite, com o marido para Belém devido a suas funções como vice-cônsul. Por essa época, sem ocupações profissionais, dedicou-se à leitura de escritores que desconhecia, como Jean-Paul Sartre, Rainer Maria Rilke, Marcel Proust, Rosamond Lehmann e Virginia Woolf.
Em maio, mostrou algumas partes de seu segundo livro, O lustre, para Cardoso. Em 5 de julho, um mês após o fim da Segunda Guerra Mundial, recebeu a notícia de que seu marido seria transferido para o consulado brasileiro na comuna italiana de Nápoles.
Em 19 de julho, o casal, após alguns dias no Rio de Janeiro, começou a viagem, parando em uma base norte-americana em Parnamirim, Natal, onde esperariam transporte, que chegaria primeiro a Maury e mais tarde a seus dependentes, no caso Clarice, seguindo as ordens enviadas pelo governo.
Em 30 de julho, embarcou, e no dia seguinte chegou à Libéria, em uma base da força aérea dos Estados Unidos em Fisherman’s Lake. Em 1 de agosto, parou em Bolama, na Guiné portuguesa, e foi para Dakar, no Senegal, onde ingressou em um avião particular que a levou a Lisboa, Portugal.
Em Lisboa, atendeu a um jantar dado pelo poeta e diplomata brasileiro Ribeiro Couto, no qual compareceram o biógrafo João Gaspar Simões, a romancista Maria Archer e a poeta Natércia Freire, com a qual estabeleceria uma longa amizade.
Depois de uma semana e meia, seguiu para Casablanca, Marrocos, e depois para Argel, Argélia, onde hospedou-se na casa de seu sogro, Mozart Gurgel Valente. Em 24 de agosto, chegou à Itália, acompanhada de Mozart e do amigo da família Vasco Leitão da Cunha, onde morou na rua Gianbattista Pergoless.
Requisitou às autoridades militares permissão para poder fazer trabalho comunitário em ajuda às enfermeiras em um hospital norte-americano em Nápoles, para onde os casos de guerra mais graves eram enviados. Visitou diariamente o hospital, escrevendo e lendo cartas para os soldados e fazendo o que eles necessitassem.
Em 12 de janeiro de 1943, obteve a naturalização, e, em 23 de janeiro, em cerimónia civil, casou-se com Maury Gurgel Valente. Os dois mudam-se temporariamente para a casa dos sogros, Mozart e Maria José Gurgel Valente, no bairro da Glória, e depois para a rua São Clemente, em Botafogo.
Em 3 de maio, recebeu a carteira profissional do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Em 17 de dezembro, ela e seu marido formam-se em direito, e não comparecem à cerimónia de colação de grau.
Perto do coração selvagem foi encaminhado para os dirigentes do jornal A Noite, que também contava com uma editora, na qual foi publicado em dezembro de 1943, com impressão de mil exemplares. A pressão dos jornalistas fez com que o livro fosse publicado, dando à autora cem exemplares em troca dos direitos de venda e lucros posteriores, os quais foram enviados por ela a críticos.
A publicação foi recebida com furor no meio literário, causando principalmente elogios da crítica especializada e comparações com escritores europeus como Virginia Woolf, James Joyce e Marcel Proust, o que irritou Clarice, que anos mais tarde negaria a influência e afirmaria na época não ter lido nenhum livro desses autores. Também então começou-se um processo de mitificação da autora através do início dos boatos de que Lispector era um pseudônimo de um escritor famoso. A principal crítica negativa, de Álvaro Lins, sugeria que “temperamentos femininos” enfraqueciam a obra.
Em 11 de janeiro de 1944, adotou o nome de casada na carteira de trabalho, Clarice Gurgel Valente. No dia 19, mudou-se, sob licença do A Noite, com o marido para Belém devido a suas funções como vice-cônsul. Por essa época, sem ocupações profissionais, dedicou-se à leitura de escritores que desconhecia, como Jean-Paul Sartre, Rainer Maria Rilke, Marcel Proust, Rosamond Lehmann e Virginia Woolf.
Em maio, mostrou algumas partes de seu segundo livro, O lustre, para Cardoso. Em 5 de julho, um mês após o fim da Segunda Guerra Mundial, recebeu a notícia de que seu marido seria transferido para o consulado brasileiro na comuna italiana de Nápoles.
Em 19 de julho, o casal, após alguns dias no Rio de Janeiro, começou a viagem, parando em uma base norte-americana em Parnamirim, Natal, onde esperariam transporte, que chegaria primeiro a Maury e mais tarde a seus dependentes, no caso Clarice, seguindo as ordens enviadas pelo governo.
Em 30 de julho, embarcou, e no dia seguinte chegou à Libéria, em uma base da força aérea dos Estados Unidos em Fisherman’s Lake. Em 1 de agosto, parou em Bolama, na Guiné portuguesa, e foi para Dakar, no Senegal, onde ingressou em um avião particular que a levou a Lisboa, Portugal.
Em Lisboa, atendeu a um jantar dado pelo poeta e diplomata brasileiro Ribeiro Couto, no qual compareceram o biógrafo João Gaspar Simões, a romancista Maria Archer e a poeta Natércia Freire, com a qual estabeleceria uma longa amizade.
Depois de uma semana e meia, seguiu para Casablanca, Marrocos, e depois para Argel, Argélia, onde hospedou-se na casa de seu sogro, Mozart Gurgel Valente. Em 24 de agosto, chegou à Itália, acompanhada de Mozart e do amigo da família Vasco Leitão da Cunha, onde morou na rua Gianbattista Pergoless.
Requisitou às autoridades militares permissão para poder fazer trabalho comunitário em ajuda às enfermeiras em um hospital norte-americano em Nápoles, para onde os casos de guerra mais graves eram enviados. Visitou diariamente o hospital, escrevendo e lendo cartas para os soldados e fazendo o que eles necessitassem.
Em 10 de agosto de 1948, nasce em Berna, Suíça, o seu primeiro filho, Pedro Lispector Valente. Em 10 de fevereiro de 1953, nasce Paulo Lispector Valente, o segundo filho de Clarice e Maury, em Washington, D.C., nos Estados Unidos.
Quando criança, seu filho mais velho, Pedro, se destacava por sua facilidade de aprendizado e bom comportamento, porém, na adolescência, sua falta de atenção nos estudos e extrema ansiedade acompanhada de agitação consigo mesmo e com a família, foram diagnosticadas como esquizofrenia. Clarice se sentia culpada, sem saber o porquê, pela doença mental do filho, e teve dificuldades para lidar com a situação, recorrendo a psicólogos, psiquiatras e internações, pois o menino era muito agressivo.
Em 1959, Clarice separa-se do marido, devido ao fato de ele estar sempre viajando a trabalho, exigindo que ela o acompanhasse todo o tempo. Não querendo abrir mão de sua carreira e querendo cuidar do filho esquizofrênico em um local fixo, sem as constantes viagens, que deixavam o menino mais nervoso, sem as constantes mudanças de escola do outro filho, que não estava fazendo amizades, e cansada das desconfianças e ciúmes do marido, Clarice deu um fim na relação. O ex-marido fica na Europa, e ela volta a viver permanentemente no Rio de Janeiro com seus filhos, indo morar com eles em um apartamento no Leme. No mesmo ano assina a coluna "Correio feminino - Feira de Utilidades", no jornal carioca Correio da Manhã, sob o pseudónimo de Helen Palmer. No ano seguinte, assume a coluna "Só para mulheres", do Diário da Noite, como ghost-writer da atriz Ilka Soares.
Em 14 de setembro de 1966, provoca, involuntariamente, um incêndio ao dormir deixando seu cigarro aceso. O quarto fica destruído, e a escritora é hospitalizada, ficando entre a vida e a morte por três dias. Sua mão direita é quase amputada devido aos ferimentos. Mesmo depois de passado o risco de morte, fica hospitalizada por dois meses. Clarice começara a fumar e beber ainda na adolescência, enquanto compunha seus poemas.
Em 1975, é convidada a participar do Primeiro Congresso Mundial de Bruxaria, em Cali , na Colômbia. Faz uma pequena apresentação na conferência, e fala do seu conto "O ovo e a Galinha", que, traduzido para o espanhol, faz sucesso entre os participantes. Ao voltar ao Brasil, a viagem de Clarice ganha ares mitológicos, com jornalistas descrevendo (falsas) aparições da autora vestida de preto e coberta de amuletos. Essa imagem se consolida, e Clarice é referida como "a grande bruxa da literatura brasileira". Sobre sua obra, o amigo Otto Lara Resende declara: "não se trata de literatura, mas de bruxaria."
Pouco tempo depois da publicação do romance A Hora da Estrela, Clarice é hospitalizada, com um câncer de ovário detectado tarde demais e inoperável. A doença se espalhara por todo o seu organismo. Clarice faleceu em 9 de dezembro de 1977, um dia antes de seu 57° aniversário. Seu corpo foi sepultado no Cemitério Israelita do Caju, no Rio de Janeiro, no dia 11 de dezembro. Até a manhã de seu falecimento, mesmo sob sedativos, Clarice ainda ditava frases para sua melhor amiga, Olga Borelli, que sempre estivera ao lado da amiga, desde a juventude.
Durante toda a sua vida, Clarice foi amiga de grandes escritores, como Fernando Sabino, Lúcio Cardoso, Rubem Braga, San Tiago Dantas entre outros.
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