Sofia “sentiu-se” Mulher- Célia Moura


Sofia sentia-se hoje menos triste que o normal desde há anos, por breves instantes olhou-se no espelho e voltou a ver aquela que fora, antes de lhe terem arrancado não só a beleza como todos os sonhos devagar aos pedaços como quem saboreia um delicioso chocolate.
Reparou que seus olhos ainda podiam transmitir algo como sempre havia sido…
Naquela tarde um rapaz bem mais jovem que ela ajudara-a quando tivera um pequeno incidente num bar e deixara cair a bandeja perante tantos olhares fixos em si.
Há anos que Sofia se exilara do contacto com outros seres humanos como ela. Afinal a humanidade que tanto amava.
Como explicar a ela mesma isto?
Quantas vezes se sentira enlouquecer!
Como poder gritar a perturbação dos olhares em silêncio que a rasgavam alto a baixo sem permissão, sem uma palavra sequer!
Raiva de ser sempre a mesma apenas por dentro mas nunca por fora…
Enquanto tudo escorregava de suas mãos perante aquele bar apinhado de gente tipo Metro à hora de ponta sentia-se desabar um pouco mais no chão tal como o copo, a chávena, o pires que levava naquele tabuleiro de plástico igual a todos os outros.
Ai quanta saudade dos tempos em que existia um simpático empregado de mesa para a servir e ela simplesmente ajeitava o vestido, cruzava as bem torneadas pernas, acendia o cigarro e sempre sorria encantada com tamanha gentileza.
Quanta saudade da sua “Versailles”, da “Luanda” e do “Vá-Vá” na Av. De Roma entre outros locais dos quais fora assídua não falando do “Nicola” e da “Brasileira” sua amada.
Longe de sua cidade sentia-se exilada.
Sua cidade?!
Mas ela estava lá porém num outro espaço.
Tão curto era o tempo que as separava mas tão longo o caminho.
Sofia. sempre a lembrarei, por isso continuo sendo sua narradora, ainda que não me sinta à altura de tal feito.
Naquela tarde tórrida de finais de Julho, sozinha, há tanto tempo desventrada do belo, foi precisamente alguém que nunca mais iria ver, que desconhecia e assim permaneceria porque tinha que ser como se um anjo feito um rapaz jovem e atractivo a tivesse que despertar de um longo pesadelo lhe viesse dizer enquanto a ajudava com a bandeja naquele bar supérfluo de gente:
– Como você é bonita! Seu rosto, seus olhos! Seu corpo!
Sofia, olhando-o boquiaberta sorriu, agradeceu a ajuda e as palavras, acenou com a cabeça negativamente, enquanto ele sorrindo insistia:
– É sim, e muito. Meus Parabéns.
Mas breve se despediram.
Sofia abençoou em silêncio aquele rapaz que deveria ter menos uns dez anos que ela, não a tencionando seduzir e de forma tão simples como só os jovens e os poetas sabem, com naturalidade a fizera regredir por instantes a um passado recente, acima de tudo a fizera brindar à mulher que entretanto era para poder guardar em segredo aquele momento tendo a noção que seria para lhe aliviar o sangue das vergastadas na alma quando urgentemente precisasse sorrir.

© Célia Moura



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