Padaria- Raquel Naveira

Na revista Ponto & Vírgula Março-Abril, Edição n.26


    Realizei um sonho de consumo: morar ao lado de uma padaria. Imagino todos os dias o processo do feitio do pão: a farinha de trigo branca, vinda de antigos moinhos; a água morna; a pitada de sal; o fermento levedando a massa elástica, porosa e macia, sovada em cilindros de prata. Broas, pães recheados de frutas secas e nozes, assados em pedras e chapas quentes. O aroma delicioso se desprende dos fornos e se espalha pelo ar. É o cheiro da poesia, pois, o “poeta nasce da paz como o pão nasce da farinha”, ensinou Pablo Neruda.
    Na porta da padaria sou como uma daquelas crianças do conto “João e Maria”, dos irmãos Grimm, que se perderam pelo mundo, pela floresta escura, cheia de perigos e, finalmente, encontraram uma casa feita de pão, telhado de bolo de chocolate, janelas de açúcar cristalizado, paredes enfeitadas de balas de goma coloridas. A casa do pão, toda iluminada e suculenta.
    As primeiras padarias surgiram há milhares de anos em Jerusalém. Após o contato com os egípcios, os hebreus aprenderam técnicas de fabricar o pão (que bem fazem à humanidade os que inventam receitas). Roma possuía padarias públicas. Os imperadores sabiam que o povo se vendia facilmente por pão e circo. A França do século XVIII destacou-se pela fabricação de pães. Quando explicaram à alienada rainha Maria Antonieta que o povo estava revoltado por causa da falta de pão, ela perguntou estarrecida: “_ Não têm pão? Comam brioche.” Talvez isso tenha custado sua cabeça na guilhotina.
    É o trabalho que nos dá o pão, sustento essencial. Mas é a alegria que lhe dá o sabor, a satisfação, o contentamento. Nem só de pão vive o homem, mas o próprio Cristo se fez pão da vida, partiu o pão, partilhou, multiplicou, distribuiu em cestos. Alimento para os que queriam justiça, para os aflitos na privação. A mesa do pão é memória de nossas origens, dos pequenos mistérios e dos sacrifícios. 
    Lembrei-me de uma comédia romântica americana, o filme “Melhor éImpossível” com Jack Nicholson no papel de um escritor grosseiro, sarcástico, cheio de manias e Helen Hunt como uma garçonete sofrida, mãe solteira de filho asmático. Só ela tolerava o comportamento neurótico do intelectual solitário. Linda a cena em que aguardam a padaria abrir de madrugada. Numa Nova York alucinada, o cheiro do pão quente e do café anuncia mudanças de comportamento, compaixão, solidariedade, união das tribos.
    Moro agora ao lado de uma padaria. Que sonho. É verdade que não vivo só de pão, mas também de palavras. Tenho tanta fome e paixão.





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