Criança de ninguém- Célia Moura


Vós, que sempre me sorris,
Dizei-me, vos rogo
Por onde vagueia hoje aquela pobre menina que sozinha
Chorava pela estrada?

Ela tinha mãe!
Ela tinha pai!

Mas, ela não pertencia a ninguém.

Perdida ficou pela estrada do Destino,
Era carga a mais,
E a jornada longa, árdua.
A menina descalça caminhava e sangrava.
Era mais uma criança escrava, porém livre
Como um pintassilgo,
E prostrada adormeceu com o anoitecer mais belo,
Entre os bravios pinheirais.

Agora, já não tinha mãe,
Já não tinha pais!
Mas, esta criança não pertencia a ninguém!
Aprendeu a linguagem do firmamento,
Saboreou todas as alvoradas,
E com seus pezinhos nus, ainda feridos como um castigo
Fez a Divinal entrega à genial cor da serra, das flores silvestres,
E da passarada em seu redor.

Somente hoje alguém a deseja.

Eu a reclamo,
Sim eu, com todo o fervor!
E, vos grito, até não me suportares,
Se alguém a viu,
Trazei-a a mim,
É minha irmã de alma,
Meu coração trago arrastado,
Rasgado pelo chão,
E assim não poderei amar,
Sem a sua essência sagrada,
Como poderei voltar a amar!

Trazei-me, vos suplico e vos ordeno,
A criança que desprezada ficou algures pela estrada!

“E uma mulher que trazia
um menino ao colo disse:
– Fala-nos das Crianças.
E ele respondeu:
– Os vossos filhos
Não são vossos filhos:
São filhos e filhas da própria Vida.”
(Khalil Gibran)

© Célia Moura, in “Enquanto Sangram As Rosas…”


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