- AMSTERDAM (9 DE MAIO DE 1877 – JULHO DE 1878)



Amsterdam, 27 de julho de 1877 

    Mendès me deu boas esperanças de que ao fim de três meses estaremos tão adiantados quanto ele se propunha caso tudo corresse bem. O que não impede que estas aulas de grego no coração de Amsterdam, em pleno bairro judeu, numa tarde muito quente e opressiva, tendo na cabeça a ameaça de muitos exames difíceis a passar frente a professores ardilosos e muito doutos, te deixem mais indisposto que os campos de trigo do Brabante, que devem estar intensamente belos num dia como este.

Amsterdam, 18 de agosto de 1877 

    Acordei cedo e vi os operários chegarem ao canteiro de obras, sob um sol magnífico. Você teria gostado de ver o aspecto peculiar deste rio de personagens negros, grandes e pequenos, primeiro na rua estreita onde ainda havia muito pouco sol, e a seguir no canteiro. Depois disto me alimentei de um pedaço de pão seco e um copo de cerveja; é uma maneira, recomendada por Dickens àqueles que estão a ponto de se suicidar, como sendo particularmente indicada para desviá-los ainda durante algum tempo deste projeto. E mesmo que não se esteja totalmente com esta disposição de espírito, é bom fazê-lo de vez em quando, pensando no quadro de Rembrandt, Os Peregrinos de Emaús.

Amsterdam, 9 de janeiro de 1878 C. M.

    * perguntou-me hoje se eu não achava bela a Phryné de Gérôme. Eu lhe disse que me dava infinitamente mais prazer olhar uma mulher feia de Israels ou de Millet ou uma velha mulher de Ed. Frère, pois afinal o que significa um belo corpo como o desta Phryné? Isto os animais também têm, talvez até mais do que os homens, mas uma alma como a que existe nos homens pintados por Israels, Millet ou Frère, isto os animais não têm, e a vida não nos teria sido dada para enriquecer nossos corações, mesmo quando o corpo sofre? Quanto a mim, sinto muito pouca simpatia por esta imagem de Gérôme, pois não vejo nela o mínimo sinal revelador de inteligência. Mãos que carregam as marcas do trabalho são mais belas que mãos como as desta imagem. Maior ainda é a diferença entre tal moça e um homem como Parker ou Tomás de Kempis, ou como os que pintava Meissonnier; da mesma maneira que não se pode servir dois mestres ao mesmo tempo, não se pode gostar de coisas tão diferentes e sentir por elas a mesma simpatia. C. M. me pergunta então se uma mulher ou uma moça que fossem belas não me agradariam, mas eu lhe disse que me sentiria melhor e combinaria mais com uma que fosse feia, velha ou pobre, ou infeliz, por qualquer razão, mas que tivesse alcançado a inteligência e uma alma pela experiência de vida e pelas provações ou desgostos.



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