DO VIVER E DO MORRER (*) Ely Vieitez Lisboa


Vida e Morte formam a grande antítese que assombra o homem. Na sua insciência, ele não conhece as regras para bem administrar a primeira e da segunda só tem certeza da sua característica essencial: a inexorabilidade. O resto, tudo são hipóteses. 
Ezra Pound diz que os poetas são antenas que captam verdades universais. A díade maior da metafísica, o início e o fim do homem atraiu, desde sempre, os grandes mestres da poesia. O tema é universal. O famoso verso de Cassiano Ricardo é lapidar: “Desde o instante em que se nasce / já se começa a morrer”. Entrada e saída. A incubação de nove meses, no aconchegante útero materno onde nada lhe falta, o aprendiz da existência é de repente expulso, lançado ao perigoso mundo. Às vezes, o olhar é pessimista: “Vai, Carlos, ser gauche na vida”. Mas, nos descuidados devaneios do homem, animal sonhador, o novo ser chega em alegria. Canta-se a beleza do parto e a própria conotação do termo é chegada, prenúncio de ventura. E então, o pobre “deus mal informado”, como o chama o Mago de Itabira, inicia seu curriculum vitae, cheio de surpresas boas e más, alegrias e tristezas, tudo muito misturado, comme il faut. 
A marcha inevitável, os percalços, as muitas derrotas e a escassez de vitórias são ásperas veredas. O eterno aprendiz de ser humano descobre que a vida, às vezes, como vaticina Manuel Bandeira “é uma agitação feroz e sem finalidade”, ou tem um terrível segredo, como já denunciou Cassiano Ricardo, algo que atrai, amedronta, mas estimula o guerreiro, pois ele traz na sua feitura muito de sonho, coragem para a luta e certa dose de medo. A receita não é igual, apesar do mesmo barro: há os afoitos, verdadeiros filhotes de Prometeu, existem os precavidos, persistentes, na sua luta de Sísifo, empurrando a grande pedra do dia a dia.
O tempo passa em um átimo. Quem pensa que a efemeridade da vida é uma metáfora pertence à turba dos ingênuos e alienados: ao contrário, é uma verdade fatídica. Há outros que preferem fingir que a ignoram. Mas, na realidade, todos, lá no fundo sabem (e como sabem!) que Cronos não perdoa ninguém. E surgem muitos “remédios”, espécie de antídotos para se esquecer que o tempo é implacável. Mas todos são meros placebos. Não servem para nada. São fugas: terapias, rezas, ou “saídas mais perigosas”, como a bebida, os mais diversos vícios, as drogas. Só há um caminho, é a ACEITAÇÂO.
Algo belo, no entanto, no homem, esse animal que sonha, é encontrar válvulas catárticas. Presentes do Criador? Então o ser humano devaneia, embrenha-se nos caminhos das Artes, alça-se na Música, Literatura, Pintura, inebria-se de espiritualidade como se eterno fora. É muito expressiva a fuga do homem para as diversas Pasárgadas! O grande Fernando Pessoa desabafa: “ NÃO SOU nada. / Nunca serei nada. / Não posso querer ser nada. / À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.” Aceitação, coragem, lucidez obstinada, temperadas com resistência. E nosso anjo rebelde, movido pelo sonho, passa toda a vida em busca de sua Pedra Filosofal.
E no final há uma grande beleza quando ele entende o plano, a caminhada. A resignação derradeira, a doce ironia como o maior de seus fantasmas, a sensação de dever cumprido, apesar de todas as adversidades, tudo é sua grande vitória, prova cabal de que foi digno do destino que lhe coube, lutou com nobreza e grandiosidade. Isto é ser grande.

Ely Vieitez Lisboa


Comentários