CARTA AO LEITOR- Ely Vieitez Lisboa,



            Permite-me usar a segunda pessoa do singular, tratamento íntimo, mas afinal tu és meu amigo; mais do que isto, és meu colaborador, meu co-autor. Explico-te. Escrever não é um ato solitário; é uma obra a dois, uma parceria, um passo de dança. O autor e fruidor se completam. Se eu escrevo e tu não me lês, não tem sentido e eu me torno um João Batista a pregar no deserto, um semeador sem sementes férteis.
            Muitos autores já se queixaram do silêncio do leitor, que não tem voz e não diz o que sente diante do texto, não participa. Acho que o mais importante, porém, é que este nosso comparsa na sombra, este amigo esconso nos leia, compartilhe conosco nossas dúvidas, nossas procuras. Penso que nenhum ser humano ensina nada a ninguém, ele apenas divide experiências, conta (ou canta) seus sentimentos, emite juízos, faz comentários, tem a coragem de desnudar o espírito diante de um público aparentemente abstrato. É apenas uma troca: uma das partes pode ser silenciosa (o leitor), o receptor, o fruidor), mas não passiva. Leitura é como aprendizagem: é um trabalho a dois.
            Tu que me lês (se lês) talvez possas achar-me às vezes hermética, prolixa, exagerada, incongruente, mas nunca alienada ou desinteressada pela vida, pelos seres humanos, suas lutas e perplexidades. Eu, assim como Cristo, não gosto de purgatórios, de gente morna, esquiva, insossa. Prefiro pessoas que lembram a frase de Shakespeare: “Para ser verdadeiramente grande, é preciso não vibrar sem grandes razões, mas é preciso também lutar por uma palha, quando a honra está em causa”.
            Não quero te dar conselhos: só os tolos e os ingênuos pensam que eles têm alguma serventia. Mas, pensa bem: a vida é linda quando tu és bem tu; quando és singular, dizes algo diferente, original, abres a alma, tiras a máscara, fazes uma conquista. Há pessoas que são chavões ambulantes, são parentes do óbvio, do esperado, jamais surpreendem. Quando o homem parar de ter medo de confessar o que lhe vai na alma, tudo poderá ser diferente, as separações diminuirão, as ligações serão mais abundantes e duradouras.
            Um psicólogo famoso disse que todos temos o direito de “enlouquecer um pouco, cada dia”. Não tomes essas palavras denotativamente. Ele quis dizer que todos os dias temos direito de reservar algum tempo para nós próprios, desvestindo as nossas máscaras dos papéis que representamos. Eu seria mais específica. É no amor que devemos experimentar tais loucuras, tornarmo-nos transparentes, abrir os corações, ofertá-los com paixão, sem restrições. A alma não nasceu para jaulas. O amor também não. Chega de tanta estratégia, fingimento, guerra fria. No amor, a batalha é sempre corpo-a-corpo, de coração aberto. Tempera tudo isto com muita sinceridade, bastante fantasia, uma pitada de lirismo, outra de sensualismo, um pouco de lágrimas, arrebatamento, fogo e talvez tu descubras a receita da felicidade.
            Não sei por que te digo todas estas coisas, a ti, meu leitor silencioso, companheiro de domingo. Não era bem carta, mas um bilhete. Não leves nada a sério do que vai acima e apenas continua lendo o que te escrevo. Porém, não te esqueças da mensagem de hoje, que realmente eu queria te enviar: eu não vivo sem ti. O escritor só existirá se ele tiver leitores que o leiam. Os dois são uma dupla, uma parceria, uma conspiração. Isto é verdade. O resto é literatura.

Ely Vieitez Lisboa,



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