CARTA À MÃE DE UM FILHO AUSENTE (*) Ely Vieitez Lisboa


Cara mãe,
Provavelmente vá detestar esta carta e deblaterar contra a autora, dizendo que ela nada sabe da dor de ter um filho ausente, longe de seus braços, da proteção materna.
Você tem razão, mas atente que eu examino o problema com lucidez, você o sente com o coração _ este órgão perigoso, que cega, distorce, vadeia abismos... No seu desespero de deixar o filho partir para a conquista de seus próprios sonhos, tudo é dor: a casa ficou sem alma, sem calor, a cama dele vazia, o lugar do seu prato à mesa, sua entrada barulhenta, as discussões (quem se ama não briga, só se discutem pontos de vista...), suas (só dele?) idiossincrasias, sua falta de ordem, a teima de comer o que não se deve, os amigos (que os tem em demasia), a falta de disciplina nos estudos, o amor desvairado pela televisão, a obsessão pelo celular, o gosto pela música de qualidade discutível, a namorada sem graça, sempre a pior que poderia escolher. Você conhece o complexo de Jocasta?
Querida mãe, seu filho cresceu, tornou-se um adulto, suas asas anseiam por infinitos e se o seu amor não ajudá-lo a solidificar as citadas asas, acontecerá, novamente, o mito de Ícaro... Não o enfraqueça com cartas chorosas, finja que o mundo dele é agora lá e não em seus braços, mesmo que o seu coração urre de dor. Não o chame de volta: seria mais fatídico que o canto das sereias, que sabe a morte. Morte de sonho, de crescimento, concessões, entrave na busca do ideal, tudo é mais nocivo que a morte mesma _ esta é paz, a outra, o inferno, quando não, o purgatório do tédio, do conformismo, da frustração.
Não lhe quero dar lições. Não acredito em conselhos: a experiência é ao portador. Quando você sentir a tentaçãozinha ingênua de dizer ao seu filho que sabe como é, já viveu algo idêntico, tem experiência, vá ler Freud, alguns filósofos, escritores como Machado de Assis, e verá que a alma, o coração são regiões do desconhecido. A vida, minha querida, a sua, a dele, a minha, é como já denunciava Heráclito de Êfeso: dinâmica, nunca se mergulha a mão na mesma água.
Deixe-o lá, na outra cidade, na profissão que escolheu, entre amigos e inimigos, longe de sua proteção que é bênção, mas veneno também. Voar é preciso. Não lhe corte a possibilidade. Nada se aprende na teoria _ é só no embate, na queda, na experiência, na dor.
Um dia, em uma de suas voltas para casa, você se assustará. Partiu o menino, mas quem voltou foi o homem. E vocês se olharão, cúmplices, amando-se mais do que nunca, pois você lhe deu o maior presente que a mãe pode dar a um filho: a liberdade. Com o mais belo invólucro: amor, muito amor.




Comentários

Cristina Duarte disse…
Eu achei muito lindo e emocionante. Deixar um filho voar é a lei da vida mas muito doloroso. Parabéns pelo trabalho. Boa noite.