Boas Práxis Democráticas, pelo Exemplo-Diamantino Bártolo




Adotar, intencionalmente, a cultura popular, segundo a qual: “olha para o que eu digo e não olhes para o que eu faço”, como tentativa de autojustificação para toda e qualquer decisão, situação ou acontecimento, que prejudica a maioria em benefício de uma minoria privilegiada de grupos elitistas, revela um Cidadão-Político, no mínimo, intelectualmente iníquo, na medida em que as boas práticas começam, exatamente, nos bons exemplos vindos das mais altas instâncias do poder, seja nos órgãos do Estado, seja nas Instituições financiadas pelo Governo.
 A igualdade de oportunidades, a justa distribuição da riqueza nacional, o princípio segundo o qual “quem mais tem mais deve contribuir” para o bem-comum, a ética na feitura das leis, que deveriam ser gerais, abstratas e de igual aplicação para todos, devem constituir preocupações, sempre presentes, em quem tem poderes de decisão e de execução.
É injusto dividir uma mesma sociedade e governá-la por elites, mesmo que democraticamente eleitas, porque: «O homem não pode sobreviver senão em sociedade, ou seja, com costumes e com leis. (..) A cidadania é a qualidade dos homens que pensam serem governados por si próprios, que dependem deles mesmos. É por isso, ao inverso, que a cidadania perde o seu sentido e a democracia a sua força, se a sociedade é reduzida ao social, se, por exemplo, alguns são tão dependentes de outros que estão prontos a alienar-lhes o voto, ou, se não votam, a alienar-lhes as decisões. Isto chama-se clientelismo e desenvolve-se de modo clandestino, ao mesmo tempo que a economia paralela ou subterrânea.» (MADEC & MURARD, 1995:94-95).
O que se pode interpretar, no sentido da total autonomia e independência do Cidadão-Político, quando no exercício de funções governativas, bem como todos os responsáveis por instituições financiadas pelo Estado, sejam de solidariedade, culturais, desportivas, fundações e quaisquer outras subsidiadas.
O Cidadão-Político, na qualidade de governante, considerando-se aqui as funções legislativa, executiva, fiscalizadora e de representação oficial de um órgão de soberania e/ou institucional, eticamente analisada a sua atuação, não deve querer para si aquilo que a maioria da população não tem, mesmo que por lei anterior, e/ou pelos chamados direitos adquiridos, possa usufruir um bem, um benefício ou mesmo um direito legítimo e legal, se os seus concidadãos não têm tais direitos e/ou privilégios.
Num Estado de Direito Democrático, nenhum grupo, ou servidor do Estado, e/ou instituições intervencionadas pelo Estado, podem legislar e beneficiar de legislação feita e aprovada, especialmente, para esse grupo ou servidor, se os restantes membros da população não usufruem de iguais direitos e oportunidades, porque: «Quem se torna príncipe (leia-se governante, dirigente público, sublinhado nosso) mediante o favor do povo, deve manter-se seu amigo, o que é muito fácil, uma vez que este deseja apenas não ser oprimido. Mas quem se tornar príncipe contra a opinião popular, por favor dos grandes, deve, antes de mais nada, procurar conquistar o povo.» (MACHIAVELLI, s.d.,:53).
Refletindo-se, mais profundamente, sobre a estratificação da sociedade, esta pode ser abordada em dois grandes blocos paralelos: setor público e setor privado, e, neste último é possível incluir como que um terceiro interveniente, o setor cooperativo. Pode-se considerar ofensivo, e lesivo dos interesses nacionais, toda e qualquer medida que vise discriminar, pelo privilégio, um determinado indivíduo, grupo, empresa ou instituição profissional, criando elites beneficiárias de bens, serviços e atenções, à custa da maioria dos cidadãos que, com muito esforço, cumprem integralmente os seus deveres de cidadania.
Outro tanto não se considerará, no que se refere ao setor privado, ao qual se reconhece a existência de indivíduos, grupos e elites privilegiados, desde que obtenham tal estatuto à sua própria custa, ou seja: desde que este setor não receba um único cêntimo ou benefícios, provenientes das contribuições dos cidadãos, aliás, nem o Estado se deve intrometer na iniciativa privada, exceto para regulamentar, fiscalizar sancionar e cobrar os impostos devidos, sem quaisquer discriminações e privilégios, em relação aos demais cidadãos, porque de contrário, seria profundamente injusto que o Estado protegesse o setor privado à custa dos sacrifícios dos trabalhadores.
Preocupa, isso sim, quaisquer medidas que, intencional, direta ou indiretamente, promovam a criação, no seio dos organismos públicos e semipúblicos, de situações de privilégio, para pequenas minorias, titulares de cargos públicos e de topo de carreiras, à custa dos contributos das maiorias que integram as classes médias e extratos superiores das classes baixas, considerando que todos são trabalhadores de um mesmo patrão, na circunstância, o Estado.
No Estado de Direito Democrático, justo e solidário, o Cidadão-Político com funções legislativas, executivas e de administração pública em geral, estará atento para corrigir tais abismos e, na medida do possível, gradualmente, tomará todas as medidas para que haja mais equidade na distribuição da riqueza nacional, a partir do trabalho de cada cidadão, cujas remunerações e benefícios devem premiar a competência, a dedicação e o mérito, respeitando mínimos e máximos, mais próximos, quer para os ativos, quer para os reformados.
Ao Cidadão-Político governante, legislador, executivo, ou qualquer que seja o seu cargo público, bem como ao cidadão nomeado por confiança político-partidária, exige-se-lhe boas práticas, sobriedade e atitudes exemplares, não lhe devendo faltar os valores da solidariedade, da humildade e da probidade.
São as más práticas, os maus exemplos, a discriminação, a legislação intencional e favorecedora para uns poucos em prejuízo da maioria, que corrompem e destroem a democracia. Este Cidadão-Político, que tanto se deseja, pode tentar compreender a máxima, segundo a qual: «O homem, afirmam, está unido ao homem de uma maneira mais íntima e mais forte pelo coração e pela caridade do que pelas palavras e protocolos.» (MORUS, s.d.:116).
Discute-se, atualmente, com um certo fervor e veemente condenação, o fenómeno da corrupção, considerando-a uma chaga que se alastra preocupantemente. Ouve-se da boca dos mais altos e responsáveis dirigentes, o apelo ao combate à corrupção, a condenação exemplar dos alegadamente corruptos e seus corruptores. Naturalmente que não é lícito generalizar esta prática e, nesse sentido, é justo afirmar-se, até com orgulho, que Portugal não é um país onde aquele comportamento seja preocupante.
Propõem-se e elaboram-se leis, regulamentos e normas punitivas. Criam-se Serviços Especializados e repressivos para combater o fenómeno. Condenam-se, em praça pública, com violação do direito ao bom-nome e da presunção de inocência, até prova em contrário; infringem-se os mais elementares direitos de defesa dos arguidos indiciados em tais situações. Institui-se uma verdadeira caça ao homem e/ou ao grupo apelidado de corrupto. Também neste domínio, deve haver a máxima circunspeção e respeito.
Enfim, em nome da moralização do regime, da dignificação das instituições e da fuga a qualquer “coisa”, normalmente, aos impostos, tudo será possível fazer-se, incluindo a intromissão na vida privada das pessoas, embora, constitucional e moralmente não se afigure que estes procedimentos sejam os mais adequados e eficazes.
O outro lado da questão não tem sido discutido. Que razões, motivos, causas e argumentos podem estar na tentativa de justificação de tal fenómeno, denominado por corrupção? Alguém pensou que algumas das causas que poderão estar subjacentes são as desigualdades: social, económica, política, educativa e outras? Pode acontecer, mas isso não justifica que se defenda essa prática nociva aos interesses coletivos.
Que a discriminação negativa, entre cidadãos de uma mesma pátria, naturais ou nela residentes, que servem o mesmo patrão, mas que não beneficiam das mesmas regalias e privilégios, pode ser, também uma das origens desta situação?
E, concetualmente, quem é corrupto e quem é corruptor? E qual dos papéis é mais grave? A noção popular aponta como corrupta toda a pessoa, e/ou grupo, que recebe valores materiais, favores especiais, privilégios únicos, em troca de um serviço, de uma influência, de uma decisão favorável, prestados a outro que, legalmente, não teria direito, gratificando em troca aquele que lhe prestou tal serviço.
E como se classificaria, o legislador, o executivo, o político e o cidadão, que decide em favor de uma pessoa, grupo ou instituição, para receberem benefícios, neste caso legais, mas que a generalidade da população não tem?
Então, como se pode condenar, quantas vezes na praça pública, aqueles que, sentindo-se injustiçados, incompreendidos e mal remunerados, recebem, sem o exigirem, uma prenda, um benefício, uma atenção monetária, de quem foi, direta ou indiretamente, favorecido?
A democracia só se fortalece com cidadãos bem formados, em todas as suas possíveis dimensões, em especial aqueles que exercem funções públicas, nos diversos organismos e instituições do poder político central, regional e local, quaisquer que sejam as áreas de intervenção.
O Cidadão-Político, em democracia: não pode circunscrever-se ao seu reduto do poder; ceder às pressões de amigos, grupos e instituições; não deve furtar-se ao debate e à crítica e, acima de tudo, deve prestar contas pelos seus atos, ao povo que o elegeu; deve lutar com todas as suas forças para nivelar as situações de vida da população que nele confiou, especialmente daquelas pessoas mais desfavorecidas.
Não se trata de retirar direitos adquiridos, legal e legitimamente, a quem os usufrui, mas atribuir iguais benefícios e direitos, a quem ainda deles não beneficia. Nivelar a sociedade por cima, por referência a quem já está numa situação confortável. A democracia também é igualdade de oportunidades para todos os cidadãos, porque não pode haver cidadãos de primeira, de segunda e por aí adiante, quaisquer que sejam as suas origens étnicas, religiosas, filosóficas, políticas ou outras.
 O Cidadão-Político ao serviço da democracia tem, portanto, o dever de ouvir aqueles que o elegeram, de com eles debater os problemas e decidir de acordo com a vontade da maioria, sempre no respeito pelos direitos da minoria porque: «A democracia implica debate e discussão, mas estas não são suficientes se forem inconclusivas e ineficazes na determinação da conduta política. O resultado dessas discussões devia ser as decisões populares e as reivindicações populares; e porque numa democracia é o povo e não o governo ou o parlamento que é soberano, é obrigação do governo aceitar e executar a vontade popular.» (ARBLASTER, 1988:146).

Bibliografia

ARBLASTER, Anthony, (1988). A Democracia, Trad. M.F. Gonçalves de Azevedo, Lisboa: Editorial Estampa, Temas Ciências Sociais. (7) pp. 11-23.
MACHIAVEL, Niccoló, (s.d.). O Príncipe. Tradução, prefácio e notas, Lívio Xavier, S. Paulo (Brasil): Editora Escala
MADEC, Annick; MURARD Numa, (1995). Cidadania e Políticas Sociais, Trad. Maria de Leiria. Lisboa: Instituto Piaget
MORUS, Thomas, (s.d.). A Utopia, Prefácio de Mauro Brandão Lopes, Tradução de Luís Andrade, S. Paulo: Escala

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo







Comentários