Associativismo- Diamantino Bártolo




A vida em sociedade envolve o funcionamento de diversas instituições, de diferentes atividades, constituição, fins e natureza. A sociedade civil assim, habitualmente, designada em relação às instituições oficiais políticas, militares, militarizadas, entre outras, o que equivale ao conjunto de cidadãos, individual e civilmente considerados, ou agrupados em corporações profissionais, cívicas, culturais, desportivas, beneficência, lúdicas e associações com estatutos jurídico-sociais, que se destinam a prestar um determinado serviço ao público, e/ou aos respetivos compartes e associados, com base num estatuto de direitos e deveres.
A importância do associativismo é inquestionável, e não é por acaso que lhe foi consagrado um dia especial para, pelo menos, o recordar através das iniciativas que as diversas Associações entendem promover, em função das suas disponibilidades humanas e financeiras. Em Portugal, o dia 30 de abril é dedicado ao Associativismo. Esta forma das pessoas se unirem, para realizarem interesses e objetivos comuns, está consagrada em diversos documentos, como um direito dos povos livres e democráticos. Assim:
No plano universal: «Toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião e de Associação pacíficas.» (DUDH. Nº 1., Artº 20º);
A nível europeu: «1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de Associação, incluindo o direito de, com outrem, fundar e filiar-se em sindicatos para a defesa dos seus interesses.», e ainda que: «2. O exercício deste direito só pode ser objecto de restrições que, sendo previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros.» (Convenção Europeia dos Direitos do Homem, transposta para o direito interno pela Lei 65/78 13/10);
No Direito interno português: «1. Os cidadãos têm o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir Associações, desde que estas não se destinem a promover a violência e os respectivos fins não sejam contrários à lei penal; 2. As Associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas e não podem ser dissolvidas pelo Estado ou suspensas as suas actividades senão nos casos previstos na lei e mediante decisão judicial; 3. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma Associação nem coagido por qualquer meio a permanecer nela; 4. Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista». (CRP, Versão de 2004: Artº 46º).
O Código Civil Português (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47334 de 25 de Novembro de 1996, protege igualmente a criação de Associações.
Quando se aborda o papel das Associações, independentemente da sua natureza e fins, coloca-se, com alguma preocupação, o funcionamento de tais instituições, na medida em que a esmagadora maioria tem nos seus corpos sociais pessoas em regime de voluntariado porque, em princípio, ninguém é obrigado a desempenhar qualquer cargo que, em geral, não é remunerado, salvo nas instituições de uma certa grandeza em recursos financeiros, técnicos e humanos, bem como projeção territorial nacional e até internacional, para além do espaço próprio, local da respetiva sede.
Fazer parte de uma Associação de natureza cultural, beneficente, filantrópica, social, lúdica, sem fins lucrativos, como se verifica também nas Instituições Privadas de Solidariedade Social, implica algumas caraterísticas pessoais, das quais se podem destacar: 1) vocação para o desempenho de um cargo; 2) espírito de missão; 3) comunhão e prática de valores como a solidariedade, a lealdade, a ética, a confiança, tolerância e compreensão; 4) alguma disponibilidade de tempo; 5) conhecimentos nos domínios administrativos; 6) gestão de recursos financeiros e humanos; 7) motivação e liderança, entre outras, de acordo com a natureza e fins da Associação. A experiência poderá ser, igualmente, importante, não um critério único e essencial.
Aquando da filiação na Associação, a pessoa que o faz é voluntária a essa adesão, e no ato da sua inscrição é-lhe comunicado o conjunto de deveres e direitos que, livremente, aceita e ingressa na instituição, ou não aceita e, neste caso, não será membro da organização. A fruição de direitos e o cumprimento de deveres, bem como o exercício do cargo para que é nomeada e/ou eleita, implica, para essa pessoa, ser a primeira a concordar com o clausulado dos respetivos estatutos, assumindo, assim, a responsabilidade de o cumprir.
Integrar, participar enquanto associado de base ou no exercício de funções colegiais, em qualquer dos órgãos sociais, numa Associação sem fins lucrativos, revela-se, atualmente, como uma atividade muito complexa, porque:
1) O funcionamento de uma Associação, sem fins lucrativos, em que os cargos nos diversos órgãos sociais não são remunerados, levanta, frequentemente, diversas dificuldades que nem sempre são ultrapassadas, quer por incapacidade dos seus membros dirigentes, quer por incompreensão dos problemas, por parte de alguns associados quer, ainda, por elementos que, por falta de conhecimentos, ou por manifesta e persistente oposição a todos e a tudo, passam a vida a produzir críticas destrutivas, sem apresentarem alternativas exequíveis, e sem se disponibilizarem para assumirem uma candidatura aos respetivos órgãos sociais, especialmente de direção.
2) Uma outra dificuldade que se coloca às Associações, sem fins lucrativos, e cargos não remunerados, é a persistente indisponibilidade para regularizar a quotização devida pelos associados. Com efeito: seja por razões económico-financeiras; seja por inadequado sistema de cobrança das quotas; seja, ainda, pelo elevado valor destas, o certo é que a percentagem de cumpridores, nesta matéria, raramente ultrapassa os cinquenta por cento, o que inviabiliza a realização de muitos projetos, e dificulta as candidaturas aos corpos sociais, porque governar sem meios é muito complicado.
3) Mas outras situações obstaculizam o funcionamento satisfatório das Associações sem fins lucrativos, e que se prende com a pouca sensibilização de diversas instituições oficiais, para apoiarem/subsidiarem as agremiações locais, com pouco ou nenhuma projeção nacional, sendo certo, e aqui fica expressa a menção de gratidão que, felizmente, há boas e generosas exceções, como por exemplo, determinadas fundações, autarquias e empresas.
4) Finalmente, um outro obstáculo ao bom funcionamento das Associações, sem fins lucrativos, é a crise de dirigismo que grassa um pouco por todo o país, exceto, como é compreensível, na política, nas grandes instituições desportivas, misericórdias e muitas outras congéneres, para as quais é mais fácil surgirem candidatos e promoverem-se campanhas eleitorais, algumas, extremamente dispendiosas, ou então por nomeações político-partidárias.
Numa perspectiva de satisfação pessoal, de quem adere a uma Associação, e nela exerce os diferentes cargos nos órgãos sociais, também se reconhece, e respeita, o direito das pessoas de não estarem disponíveis para colaborar, por motivos relacionados com a falta de iniciativas, por ausência de motivação ou por entenderem que a Associação não persegue os objetivos estatutários, ou que deles se desvia.
Por outro lado, é perfeitamente legítimo que um associado não manifeste vontade em colaborar, mas então, das duas, uma: ou se demite e pede a anulação da sua inscrição; ou mantem-se na Associação numa posição neutra e sem dificultar o trabalho dos seus pares, nos diversos órgãos sociais.
Apesar de tantas dificuldades surgem, pontualmente, algumas pessoas, associadas de uma determinada Instituição, sem fins lucrativos que, pela sua importância local e alguma projeção nacional, conferem “status” e poder aos seus dirigentes. Nestas condições ainda se disputam eleições e até se fazem pequenas campanhas de angariação de sócios para depois votarem nos interessados em gerir tal instituição. Em todo o caso, são situações pontuais.
A importância de uma Associação, no seio de uma comunidade, é indiscutível. Para além dos benefícios que proporciona aos seus associados, em particular, muitas delas resolvem imensos problemas, cujas soluções caberiam, em alguns casos, e por inteiro, ao Estado que, desta forma, poupa recursos humanos, financeiros e até infraestruturas e equipamentos.
O Estado, quantas vezes se aproveita dos valores da solidariedade e da reciprocidade que, irrecusavelmente, são manifestados e levados à prática pelos associados de uma Instituição Particular de Solidariedade Social e por outras Associações sem fins lucrativos, porque em situações de carências, calamidades diversas, lá estão estas instituições para resolverem, em parte, o problema do acolhimento, do agasalho, da fome, da doença da educação e formação.
Por outro lado, pequenas Associações, que por este país existem, à custa da boa-vontade, altruísmo e filantropia dos cidadãos anónimos, e nas comunidades rurais, por exemplo, onde quantas vezes falta quase tudo, lá está a Associação para transmitir um pouco de alegria, de conforto, resolver um problema de uma pessoa, de uma família. Quem desconhece, designadamente, instituições que distribuem alimentos, medicamentos, roupas aos mais carenciados? Então porque se recusam apoios oficiais a muitas destas instituições? Em princípio, ao menos, que se lhe paguem os bens materiais.
O associativismo, assente no voluntariado dos cidadãos, constitui, atualmente, um inestimável instrumento de luta contra a crise, não só a “crise” económica, financeira, laboral e outras “crises”, mas também contra eventuais tentativas de destruição de valores, como a dignidade da pessoa humana, o compromisso, a honra, a saúde, o trabalho e a segurança na velhice. São as Associações, as empresas e os mecenas, quando assim o entendem, que conseguem amenizar um pouco o sofrimento dos mais desfavorecidos.
É fundamental que quem tem responsabilidades politico-governativas, empresariais, autárquicas e religiosas reforce os apoios que, porventura, já estejam a dar às Associações de natureza humanitária, nas suas diversas dimensões, principalmente àquelas que não têm fundos consolidados, património, recursos técnicos e humanos suficientes, infraestruturas adequadas, até porque os seus dirigentes já oferecem uma “mão-de-obra” gratuita, de grande qualidade, que não envolve quaisquer encargos salariais, sociais, de representação e de outra natureza, para o erário público.
Igualmente se afigura muito importante que no seio de uma Associação exista espírito de missão, atos de solidariedade, atitudes de compreensão, tolerância e ajuda, entre todos os associados, e destes para com os corpos sociais, que criem novas e boas soluções para a Associação ao contrário de, quantas vezes,  “lutarem” para acrescentarem mais dificuldades, que substituam a crítica injusta, infundamentada e desleal, por alternativas positivas, exequíveis que sirvam os interesses da Associação e dos seus sócios.
Não haverá Associação que resista, por muito tempo, aos ataques daqueles que não se assumem candidatos à direção e gestão da instituição, que apenas apontam defeitos, erros e críticas mordazes, não apresentando, ou escondendo alternativas.
A coesão entre todos é essencial. É preciso ter-se humildade para se aceitar as críticas justas, tolerantes, generosas e com alternativas, mas também é necessário ter-se o bom-senso, os conhecimentos e experiência para se criticar com fundamentos e honestidade intelectual. Em todo o caso, não se pode abdicar da firmeza com lealdade. Sem isso não há Associações e dirigentes que resistam.
É certo que não há ninguém insubstituível. É verdade que há pessoas de difícil substituição. É, todavia, necessário que as Associações sejam criteriosamente geridas. Tal como uma pessoa, uma família, uma empresa e um país, não se pode gastar mais do que o que se ganha. Igualmente será incorreto gastar-se todo o património, e quem vier que se governe! Com quê?
Uma vez mais a analogia: se um casal esbanja o património que recebeu, por herança, dos seus progenitores, ou doadores, está, de certa forma, a roubar os seus próprios filhos; de igual forma, uma direção de uma Associação que se preocupa, apenas, em gastar o que recebeu da anterior, em vez de aumentar o património, estará a prejudicar os associados e a cometer nítida falta de solidariedade e lealdade para com os colegas que se seguirem nos mesmos cargos, a retirar-lhes as condições mínimas para trabalharem.
Administrar é gerir com vários objetivos: 1) Proporcionar boas condições aos seus pares-associados; 2) Ampliar o património da instituição; 3) Honrar os compromissos assumidos; 4) Atualizar e modernizar o funcionamento da instituição, dos seus recursos humanos, técnicos e infraestruturas.
Adotar uma política para o momento, da “governação à vista”, sem pensar na sustentabilidade da instituição, é prejudicar o seu futuro, contribuir para a sua extinção.

Bibliografia

GOVERNO PORTUGUÊS, (1978). Lei nº 65/78 de 13-10-1978 que transporte para o direito interno português a CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM, publicada no Diário da República nº 236 Série I Parte A de 13/10/1978



Com o protesto da minha perene GRATIDÃO

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal





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