Desconsideração: sequelas!- Diamantino Bártolo

   

     A existência humana nunca será totalmente autónoma, porque cada vez mais a interdependência de pessoas, povos e nações é uma realidade, a que alguém se poderá furtar, na medida em que é impossível suprir, individualmente, todas as necessidades, sejam de natureza: física, psicológica, axiológica e sentimental. Haverá sempre uma carência, cuja satisfação não depende da própria pessoa, por isso, a importância de se estabelecerem laços interpessoais, que devem ser fortalecidos, constantemente melhorados e consolidados.
    Ao longo da vida, vamos encontrar diversas situações, as quais, deveremos entender, resolver o que for necessário, assumir as responsabilidades que elas impõem, compreender as oportunidades que nos podem oferecer, eliminar tudo o que não nos diz respeito, sempre com o cuidado de não prejudicarmos, sob qualquer forma, quem está direta, ou indiretamente, envolvido, porquanto, e no que concerne às pessoas, toda a atenção é pouca.
    O relacionamento interpessoal ocorre desde o nascimento até à morte. Durante o período de vida física assume diversas dimensões e intensidades. Desde os pais, irmãos e restante família, amigos, passando pelos colegas de catequese, escola, trabalho, lazer, associativismo.
    Nas muitas e diferentes modalidades, conquistam-se, estreitam-se, consolidam-se abandonam-se mas, também se destroem princípios, valores, sentimentos, afinal, relações mais ou menos verdadeiras, solidárias, leais, provavelmente, íntimas, estas no sentido mais profundo de um amor, seja com finalidade conjugal, seja de pura amizade de amigo, se se quiser, um grande “Amor-de-Amigo”, do qual  provém, e se desenvolve uma enorme confiança e cumplicidade recíprocas, em que os amigos são muito mais do que parentes muito próximos, ou colegas de uma qualquer atividade.
    É muito normal que duas pessoas, ao longo de uma convivência profissional, associativa ou outra, durante um certo período de tempo, iniciem, aprofundem e, desejavelmente, consolidem uma amizade que, inicialmente, começará por gestos de boa educação, amabilidade, convívios mais a sós, projetos em comum, conversas mais íntimas, olhares, gestos e comportamentos mais cúmplices, em que os impulsos de maior aproximação surgem, até atingirem um patamar de relacionamento pessoal, que já envolve carinho, meiguice, contactos físicos mais íntimos.
    Chegados até este nível, as pessoas apenas desejam estar próximas, muito unidas, solidárias, conversarem e agirem com total lealdade, sempre preocupadas com o sucesso e o bem-estar do amigo, por ele tudo fazendo, tudo dando, com grande generosidade e entusiasmo, para lhe agradar e manifestar um grande “Amor-de-Amigo”. As partes comprometem-se a respeitar outros valores, eventualmente, relacionados com uma vida familiar, com um cônjuge, filhos, pais.
    A fronteira entre o “Amor-de-Amigo” e o amor conjugal, por exemplo, está no respeito que é devido aos cônjuges, quando eles existem e então, das duas, uma: ou se decide por uma separação conjugal e tenta-se refazer a vida, com a pessoa por quem se tem sentimentos de amor; ou se mantém o matrimónio, sem contudo se abandonar os sentimentos e atitudes relativamente ao amigo, não ultrapassando, nunca, a linha que separa as duas situações, ou seja: a relação assente naquele amor, manter-se-á nos moldes em que foi estabelecida, vivida de comum acordo, consolidada a um nível que não prejudica a felicidade conjugal, antes pelo contrário, acrescenta mais ventura, em termos de carinho, consideração e estima, bem como o tal “Amor-de-Amigo”. Uma felicidade paralela.
    Ter um amigo, assente num sentimento tão nobre, quanto puro, como é o “Amor-de-Amigo”, constitui, nos dias de hoje, um privilégio que, de facto, não está acessível a mentes preconceituosas, a personalidades mesquinhas, a pessoas que se deixam conduzir pela inveja, aversão e hostilidade aos relacionamentos íntimos. Este novo sentimento, é um grande passo para as boas e sinceras relações pessoais e humanas.
    Note-se que o relacionamento íntimo entre dois amigos, de sexos opostos, que se gostam, nada tem a ver com a relação matrimonial, própria dos casais que, estes sim, atingem e desfrutam, reciprocamente, de um outro amor, que vai da paixão à entrega total, em circunstâncias únicas, que se verificam e culminam na relação sexual amorosa e apaixonada, na defesa e proteção dos filhos e na construção de um projeto de vida familiar, ou seja: o amor na sua sublime grandeza, mais direcionada para a construção e manutenção de um casamento e do respetivo lar, com algumas dimensões que esta situação implica: axiológica, psicológica, profissional e material.
    Como em tudo na vida, importa que se assumam as promessas, compromissos, valores, sentimentos e emoções, sem medos, com clareza, honestidade, na defesa das causas em que acreditamos, na assunção serena e firme das responsabilidades pelos nossos atos, tanto mais verdadeiros, quanto mais convictas são as nossas atitudes, para com um parceiro que conquistamos e elegemos como nosso amigo especial.
    A partir de um certo período de tempo, durante o qual se estreitam relações, se aprofundam e exercem sentimentos, que conduzem à prática de um comportamento muito atencioso, corroborado com manifestações reiteradas de gestos carinhosos, com a troca de cumprimentos e saudações mais afetuosos, onde se podem incluir o abraço e o  arrependimento surja, os remorsos nos atormentem, porque o passado ficará para sempre inscrito na nossa memória, dele não vamos escapar enquanto tivermos conhecimento da nossa identidade existencial.
    O sofrimento e o desgosto, são tanto mais dolorosos quando partem, precisamente: das pessoas de quem mais gostamos; por quem tínhamos um sincero e inequívoco “Amor-de-Amigo”; a quem nós, confiantemente, nos entregamos; a quem nós confessamos os nossos desejos, dificuldades, problemas, alegrias, tristezas; a quem mais dedicamos total solidariedade, amizade, lealdade e dádiva dos nossos princípios, valores, sentimentos e emoções. Quando assim acontece, sentimo-nos traídos, vexados, uns joguetes nas mãos de quem nos utilizou, com tanta impiedade e maldade.
    A vida não poderá correr bem a quem atraiçoa princípios, valores, sentimentos e amigos. Tem de haver uma forma de se fazer justiça, independentemente da vontade das vítimas. É certo que quem sempre esteve de boa-fé num relacionamento, quem tem bons princípios, valores e sentimentos puros, verdadeiros e nobres, nunca será inimigo daquelas pessoas que, agora, nos desconsideram, nos humilham e nos afastam de suas vidas, mas a tristeza, a amargura, o descontentamento e o padecimento, ficam para sempre e, realmente, podem conduzir a alguma situação irreversível.
    Por vezes, incompatibilizamo-nos com outras pessoas, justamente para sermos fiéis, solidários e leais àquelas por quem temos uma amizade muito profunda. Acontece, inclusivamente, recursarmos trabalhar com pessoas que ofendem, que desvalorizam e que, injustamente, comprometem o trabalho de quem nós tínhamos por amigos, porque não se pode, nem deve ser amigo, de quem não é amigo do nosso amigo.
    Assumam-se, portanto, comportamentos que sejam solidários, que revelem que estamos firmemente do lado de quem gostamos, se preciso for, contra tudo e contra todos. Ora, quando esta nossa dedicação é desvalorizada e aquelas pessoas, por quem demos tudo, afinal, continuam a conviver, a pactuar, com as que as prejudicaram, isso revela querer conviver com todos, como se costuma dizer, “com Deus e com o Diabo”, atraiçoando os nossos valores de: solidariedade, amizade, lealdade, entrega, dádiva e cumplicidade.

Venade/Caminha – Portugal, 2022

Com o protesto da minha permanente GRATIDÃO

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

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