Probidade e austeridade autárquicas- Diamantino Bártolo

     

É provável que muitos manuais de governação autárquica, e outros tantos manifestos eleitorais, não coloquem em destaque determinadas qualidades do político-gestor, e correspondentes práticas, na circunstância, qualidades: de Probidade, de humildade, de execução; também de rigor, Austeridade e contenção de gastos, como exemplo e utilização de boas práticas, aliás, em períodos cíclicos muito intensos e polémicos, diversos princípios, valores, regras, sentimentos e intervenções, até sejam ignorados, intencionalmente, para, demagogicamente, passar outras mensagens, eventualmente, do tipo “publicidade enganosa”, recorrendo-se à promessa covardemente gratuita, no sentido de tudo resolver, a todos ajudar e, em certas conjunturas, denegrindo, injuriando e humilhando o passado de adversários, de amigos e, quantas vezes, da própria família.
     Para alcançar o Poder, possivelmente, ainda haverá quem “não olhe a meios para atingir os fins”, atropelando valores, sentimentos, e as mais elementares regras da ética e da moral, pisando a dignidade daqueles que, tendo outros ideais, se lhes opõem, democrática, honesta e lealmente. 
    Ainda se poderá tentar vislumbrar “políticos” que, infelizmente, desconhecem as regras do jogo transparente e leal da Democracia, ou não as querem aplicar, ou não têm a mínima formação, educação e respeito pelos concidadãos. Talvez, por isso mesmo: nunca tenha havido tantas injustiças, um aumento brutal das desigualdades e um número assustador de ignorados, marginalizados e excluídos em todo o mundo.
    Em tais situações, a Probidade ficar-lhe-ias muito bem e seria o mínimo, a partir do qual, deveriam orientar as suas ações, ao serviço do bem-público. Probidade aqui utilizada no seu sentido de integridade, retidão, equidade e justiça, naturalmente sem qualquer pretensão de perfeição, de egocentrismo ou paradigma de valores absolutos, aplicados ao próprio. Probidade, também no seu conceito prático, relativamente a uma conduta adequada, sustentada por uma: «Maneira de agir, atuar, comportar-se em observância a princípios, valores, orientações e regras.» (RESENDE, 2000:45).  
    O governante que incorpora na sua conduta, preocupações e intervenções de Probidade tem, à partida, as melhores condições para uma governação séria, rigorosa e o mais justa possível, na medida em que ele vai constituir-se num exemplo, a seguir por todos aqueles que com ele trabalham, e/ou dele dependem, ganhando, com esta conduta, a confiança, a adesão e a simpatia populares. 
    Trata-se, também, de uma questão de boa gestão, porque valoriza: «Um processo que visa obter resultados através de uma melhor utilização dos recursos humanos, financeiros e materiais à disposição da organização e de cada gestor. Por outro lado, a gestão preconiza acrescentar valor a esses recursos, sendo que este valor acrescentado depende da competência e do compromisso das pessoas responsáveis pela gestão do negócio» (ARMSTRONG, 2005:3). 
    Adaptando-se, nesta reflexão, o vocábulo “negócio” aos bons (ou maus) resultados da organização, na circunstância, governamental, e/ou autárquica, obviamente, sob os fundamentos em que deve assentar uma governação com Probidade, isto é, incorrupção, retidão, equidade e justiça, na aplicação dos recursos, em benefício da população, para a qual se pretende ou já se está a trabalhar.
Probidade implica, necessariamente, austeridade, porque sem esta qualidade fundamental das pessoas e das próprias instituições, por muito probos que sejam os dirigentes-governantes, não conseguem resultados otimizados e a correspondente redistribuição equitativa e justa dos valores atingidos. Este binómio – Probidade-Austeridade –, será, portanto, incompatível com métodos perdulários, com falta de isenção e de ética, com injustiças e favoritismos contraproducentes.
    Quaisquer comportamentos, técnicas e processos que visem alimentar objetivos narcisistas, auto-egos e vaidades pessoais, protagonismos exacerbados e toda uma panóplia de preconceitos, estereótipos e obsessão, pelo poder, não se harmonizam com aquele binómio, pelo contrário, impedem que o bem-estar, a concórdia, a justiça e a felicidade se instalem na população, até então, subjugada por governantes com características egocêntricas e práticas discriminatórias negativas e, eventualmente, desumanas.
    Austeridade, nos pensamentos, nas atitudes, nas práticas e na gestão dos recursos que a todos pertencem; austeridade, como principal qualidade do governante, na perspetiva do rigor, sem esbanjamento dos recursos, em benefício de alguns poucos, e prejudicando os legítimos interesses de uma maioria, habitualmente desprezada, ignorada, submetida e discriminada negativamente, que não faz parte de nenhum sistema, aparelho, organização ou seita, esta entendida no bom sentido, sem qualquer ofensa às seitas do bem.
    Austeridade, como boas-práticas e paradigma, utilizados por quem detém o poder, e a responsabilidade de gerir, com ética, com isenção e comedimento; austeridade, também, aceite como virtude, nos domínios da ética e da moral, que muito bem se coadunam com a atividade política que enobrece e engrandece quem a pratica, porque já há mais de dois mil anos se refletia sobre este valor, na medida em que: «A virtude moral não pode ser alcançada abstractamente; exige acção moral num ambiente social. A ética e a política estão estreitamente relacionadas, porque a política é a ciência para a criação de uma sociedade em que os homens possam viver uma boa vida e desenvolver todo o seu potencial.» (ARISTÓTELES, s.d:16).
    A terceira década do século XXI, recentemente iniciada, tem vindo a ser caracterizada pelo aumento: para uns, exponencial; para outros, imperceptível, das desigualdades sociais e económicas; entre outras mais encapuzadas. 
    O descalabro a que chegaram algumas sociedades, em diversos países, deve-se, em grande parte, àqueles que detêm os poderes de decidir, governar, executar, distribuir e sancionar, aqui se incluindo alguns órgãos, que legislam contra os mais fracos, mais desfavorecidos e desprotegidos; em favor de grupos económicos, políticos, profissionais e organizações posicionadas geo-estrategicamente, para o domínio do mundo, pela investigação, pela técnica, pela economia, pela finança, pelos recursos naturais próprios, pelo poder bélico.
    O esbanjamento de recursos, à escala mundial, também se verificará ao nível familiar, local, de pequenas comunidades, dependentes do arbítrio de uma pessoa, e/ou de um pequeno grupo, que controla, com o apoio dos respetivos correligionários, instituições e grupos de pressão, quantas vezes, à custa dos recursos que pertencem à comunidade. 
    A prova mais simplista, pode aduzir-se das condições de acesso a determinadas situações: emprego, reforma, benefícios de representação, etc., a que uns poucos têm acesso e usufruem, e a esmagadora maioria jamais o conseguirá.
    Porquê estas desigualdades? Porque não há Probidade nem Austeridade justas na aplicação e distribuição das riquezas nacionais, locais e comunitárias; porque a insensibilidade para as situações mais degradantes se mantem em muitas pessoas, grupos e instituições; porque ainda há quem pense que viverá física e materialmente por toda uma eternidade terrestre, esquecendo que o poder é efémero, limitado, no tempo e no espaço.
    E se aos indivíduos, grupos e instituições privados não se lhes pode exigir que resolvam os problemas sociais, económicos e ambientais, entre outros, o mesmo não se verifica com as organizações púbicas do Estado, e/ou aquelas que recebem apoios diretos e indiretos do erário público, cujos responsáveis deveriam ser os primeiros a solidarizarem-se, objetivamente, com aquela esmagadora maioria de cidadãos, que vive no limiar da pobreza, e/ou extrema miséria. 
    Àqueles responsáveis, não se lhes pede muito, apenas que abdiquem, ainda que parcialmente, de alguns dos seus benefícios, regalias e outros privilégios, em prol dos mais desfavorecidos, até porque a maior parte destes também pagam impostos, diretos e/ou indiretos, quanto mais não seja, nos artigos de primeira necessidade: alimentação, vestuário, educação e medicação, com a agravante de sofrerem a mesma carga fiscal que é aplicada a quem tem poder económico.
    Para além dos valores da solidariedade, da igualdade e da fraternidade, o sentimento de compaixão deve orientar a conduta daqueles que têm poder e recursos para utilizar bem, sempre em proveito dos mais carenciados, marginalizados e excluídos, porque: «Quando falamos de compaixão, referimo-nos geralmente a trabalhar com os que são menos afortunados do que nós. Pelo facto de termos melhores oportunidades, uma boa formação e saúde, devemos ter compaixão pelas pobres pessoas que não possuem nada disso.» (CHODROM, 2007:105).
    Probidade e Austeridade, são qualidades exigíveis a todos quantos desempenham funções de governação, nos vários níveis da Administração: do Poder Local, Poder Regional e Poder Central, passando por instituições públicas e privadas que, de alguma forma, recebem do Estado, apoios financeiros, fiscais, logísticos e de qualquer outra natureza, representando aquele, na circunstância, todos os contribuintes, afinal, todos os cidadãos submetidos às regras tributárias.
    É imoral e constitui crime de lesa-contribuinte, todos os gastos em benefícios próprios, e/ou dos organismos, para fruição de bens e serviços, satisfação de vaidades e protagonismos, suportados pelos impostos que, coercivamente, são exigidos a todos por igual forma, como se verifica, por exemplo, com o IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado, incidindo sobre os produtos alimentares, vestuário, educação e medicação, entre outros bens e serviços, absolutamente necessários, e que tanto paga o rico como o pobre. 
    É neste sentido que o legislador deve ser sensível, ter bem presente os conceitos de Probidade e de Austeridade. Não uma Austeridade cega, injusta, que afinal prejudica as pessoas mais vulneráveis, aquelas que estando já no fim da “Linha da Vida”, nem sequer se podem defender. É preciso respeito por este setor etário da população que tanto deu ao País e às gerações que estão, e/ou se aproximam do Poder.

Bibliografia

ARISTÓTELES, (s.d.) Ética Nicomaqueia, in: MILCH, Roberto, (1966). Aristóteles Ética Nicomaqueia. Tradução, Clarisse Tavares. Mem Martins: Publicações Europa-América

ARMSTRONG, Michael (2005). Como ser Ainda Melhor Gestor. Guia completo de técnicas e competências essenciais. Tradução, Geraldine Correia e Raquel Santos. Lisboa: Actual Editora

CHODRON, Pema, (2007). Quando Tudo se Desfaz. Palavras de coragem para tempos difíceis. Tradução, Maria Augusta Júdice. Porto: ASA editores.

RESENDE, Enio, (2000). O Livro das Competências. Desenvolvimento das Competências: A melhor Autoajuda para Pessoas, Organizações e Sociedade. Rio de Janeiro: Qualitymark.


Venade/Caminha – Portugal, 2022

Com o protesto da minha permanente GRATIDÃO

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

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