Ética Solidária entre Pessoas-Humanas de Boa vontade- Diamantino Bártolo

    

     Para além de um valor, um comportamento, uma boa-prática profissional, o dever de solidariedade de todo e qualquer trabalhador, público ou privado, para com todos os utentes das respetivas organizações e, inclusivamente, entre eles, será uma estratégia, entre outras possíveis, que contribuirá para a resolução de grande parte dos problemas, conflitos e situações tensas, bem como para um melhor relacionamento interpessoal e lealdade para com a instituição. 
    E que fique bem explicito, que tal estratégia comportamental, não pretende desviar os trabalhadores do cumprimento dos seus deveres, nem do exercício das suas competências profissionais e legais, bem pelo contrário, o que se deseja é, justamente, mais rigor, mais isenção e mais solidariedade, por parte daqueles que sabem, podem e desejam ajudar os que mais precisam, não sabem e não têm qualquer poder de decisão para que, com justiça e dignidade, vejam as suas situações bem resolvidas.
    Significaria um passo de gigante, a institucionalização, pela via da formação e interiorização, de uma ética solidária entre funcionários, públicos e privados, e destes para com os utentes das respetivas repartições, empresas, associações e organizações, legalmente reconhecidas. É um absurdo, inconcebível para uma mente humana esclarecida, que sejam os próprios trabalhadores, quaisquer que possam ser as suas categorias, estatutos profissionais, sociais, políticos e religiosos, a perseguirem-se, combaterem-se e destruírem-se mutuamente, sem prejuízo de formularem avaliações, face ao que apreciam objetivamente no dia-a-dia.
     Quantas vezes, ao serviço de um Estado/Governo prepotente, desumano, insensível aos valores mais profundos da pessoa humana, ou de um empresário e/ou dirigente privados, que mais se preocupam com o elevado e rápido lucro material, que a sua organização lhe pode proporcionar, do que revelarem inquietações relativas ao bem-estar dos colaboradores, públicos ou particulares.
    Até porque, os homens passam, as grandes instituições permanecem – Nações, Estados, Igreja, etc. -, outras dissolvem-se, porém, os trabalhadores têm de continuar a conviver uns com os outros, independentemente de quem governa, de quem dirige, dos empresários e acionistas de cada momento, ou período de vida da organização.
    Uma ética solidária entre trabalhadores, e a partir deles, para a sociedade em geral, nesta se incluindo, necessária e desejavelmente, todas as pessoas: quaisquer que sejam as suas situações, estatutos, atividades, crenças e etnias, porque todos são importantes e úteis para a construção da harmonia, do bem-estar, da paz. Empregados e patrões, dirigentes e subordinados, governantes e governados, especialistas e indiferenciados, religiosos e leigos, letrados e analfabetos, enfim, todos são pessoas, todos têm a mesma dignidade, todos se podem solidarizar na luta por melhores condições de vida, para eles, seus dependentes, para a comunidade em geral.
    A base desta solidariedade incondicional, perante situações que não são da responsabilidade das vítimas, partirá de um sentimento, exclusivo da pessoa bem-formada, defensora e cumpridora das virtudes humanas mais sublimes: a amizade, aqui considerada no seu sentido clássico-aristotélico: «A amizade é uma forma de virtude, ou, pelo menos, implica a existência de virtude, e, além disso, é indispensável para a vida humana, visto que o homem é um ser social. A amizade, no mais amplo sentido do termo, inclui justiça, concórdia, amor benevolente e nobreza. É um elemento importante em todas as relações pessoais e institucionais entre os homens.» (ARISTÓTELES, Livro VIII, in: MILCH, 1966:111).
    Os conceitos de empregado, trabalhador, funcionário, entendidos num contexto de produtividade, pode ser extensível a quaisquer outras situações, posições e estatutos sócio-profissionais, na medida em que durante toda a sua vida, a pessoa vai exercendo determinadas atividades, ocupações e cargos, contribuindo, com a sua quota-parte, para a riqueza da comunidade, produzindo bens e serviços que são consumidos pela sociedade. 
    O empresário que investe os seus bens, que arrisca o seu próprio património, produzindo riqueza, criando postos de trabalho, ajudando quem precisa de auferir um salário, para viver com um mínimo de dignidade, certamente que se enquadra no grupo de pessoas de boa-vontade, é um trabalhador com responsabilidades acrescidas, que deve merecer o elogio, o respeito e a consideração dos seus concidadãos. 
    Neste grupo menor de pessoas, que tal como um outro qualquer trabalhador, igualmente se incluem os detentores de cargos políticos, dignitários das diversas confissões religiosas porque, querendo, todos contribuem para a produção de riqueza. Seria, portanto, relativamente fácil, alargar a base solidária, a partir da amizade entre todos.
    A sociedade ética e solidária não será uma utopia, desde que os homens assim o queiram, o que, a par da amizade, pode ser conseguido com o exercício de boas-práticas, em todas as atividades humanas. No núcleo fundante da solidariedade incorporar-se-ia a amizade, a par de outros valores sentimentos e virtudes, igualmente necessários para um relacionamento saudável, entre pessoas de um mesmo mundo, embora integradas em sociedades e pequenas comunidades, diferentes nas suas culturas, religiões, sistemas políticos e valores, porém, todas iguais na sua condição de pessoas-humanas. 
    A amizade que se poderia fomentar entre homens e mulheres, de um mesmo universo, contribuiria para a felicidade individual e coletiva, sem prejuízo para ninguém, e com todas as vantagens daí decorrentes, mesmo sabendo-se que: «Raramente a vida é exactamente como queríamos que ela fosse, mas seremos tanto mais felizes quanto mais aproximarmos a nossa realidade das nossas expectativas.» (NOGUEIRA, 2014:220).
    A sociedade ética solidária será possível quando a humanidade, a partir de quem tem poderes de decisão, execução e fiscalização, institucionalizar o ensino e boas-práticas de valores universais, ainda que numa primeira fase, tais valores tenham de ser adaptados a determinadas culturas, usos e tradições, bem como a penetração de uma língua, contemporaneamente, o inglês, por razões óbvias, também uma nova mentalidade axiológica pode ser iniciada desde já, sabendo-se, contudo, que a sua eficácia poderá demorar mais de um século.
    Aceita-se que: «Sem um consenso mínimo relativamente a determinados valores, normas e atitudes não é possível uma vida colectiva condigna, quer se trate de uma pequena ou de uma grande comunidade. Sem um tal consenso de base, que deve ser constantemente restabelecido, através do diálogo, um moderno sistema democrático não pode funcionar, ou poderá mesmo vir a degenerar.» (KUNG, 1990:60).
    A implementação de boas-práticas, em ordem a alcançar-se uma ética solidária, numa determinada sociedade, naturalmente que se torna mais fácil a partir das pessoas e instituições que detêm determinadas capacidades: decisão, influência e recursos. No que ao setor público respeita, poderá o     Estado, através dos departamentos especializados e respetivos titulares, desenvolver as estratégias adequadas e acionar, no terreno, os meios e recursos disponíveis. 
    No que à comunidade empresarial concerne, de igual modo e por idênticas razões, serão convocados para este projeto, os empresários, que se auto-considerem sintonizados para os valores de uma sociedade ética solidária. É conhecida a posição de muitos empresários, em cujas empresas já existem normas éticas, códigos deontológicos e preocupações de natureza ética, havendo um crescendo da responsabilidade social, justamente a partir de uma ética solidária. 
    Na verdade: «É de louvar a atitude de alguns empresários que se consideram em condições de atenuar situações de injustiça social a que o Estado não pode responder. Compreende-se também que muitos outros se sintam na necessidade de justificar a sua actividade, através de actividades culturais que, no fundo, não constituem, senão, uma forma inteligente de publicidade.» (MOREIRA, 1999:30).
    Os parceiros dinâmicos e capazes de mudar o mundo, para melhor, evidentemente, estão, portanto, no Estado, enquanto setor público de atividades diversas, à cabeça das quais se encontram os poderes legislativo, executivo e judicial, e também na denominada sociedade civil, integrando as diversas comunidades: empresarial, científica, tecnológica e religiosa. 
    Naturalmente que são possíveis e, quiçá, desejáveis, outras organizações, classificações e agrupamentos, mas o importante reside na vontade de todos em se integrarem num projeto que conduza: à felicidade, ao conforto, à justiça, à dignidade da pessoa humana, à paz, qualquer que seja o seu estatuto social, político, económico, religioso e étnico. 
    Precisa-se de uma ética solidária entre todos os homens e mulheres, sem discriminações negativas, de nenhuma natureza. Os trabalhadores, que constituem a esmagadora maioria da população mundial, considerados na sua vertente produtiva, serão os principais impulsionadores deste projeto, mas também os primeiros beneficiários.

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