O Homem. Núcleo Fundamental da Política- Diamantino Bártolo

     

    O homem é um fim, não um meio para a concretização de uma dignidade universalmente única e, simultaneamente, o lugar exclusivo da eticidade. A pessoa humana é, desde logo, uma realidade Ética, o centro de irradiação dos valores morais e, na sua transmissão, cada sujeito humano é, também, um elo da corrente intersubjetiva, que num comportamento de reciprocidade proporciona a difusão dos princípios fundamentais da convivência humana.
    A Ética é, portanto, a base normativa da tarefa do homem-ser-homem, inviolável, intimamente pessoal, a que nenhuma autoridade terrena tem acesso. A Ética como disciplina normativa, do foro íntimo de cada ser humano, subordina a si todas as demais disciplinas práticas, e tanto mais quanto mais íntima e direta é a relação destas com o humano.
    O homem é um “ser-com-os-outros”, numa atitude dialógica permanente e, como tal, palco de inúmeras atividades, especificamente humanas. A atividade política é, neste contexto heterogéneo, uma vertente ou dimensão do homem, que não o globalizando ou substancializando, não deixa, porém, de ser um componente importante, na caraterização do seu todo.
    A política radica no aspeto social do homem, constitui a síntese de ação e instituição, em ordem à convivência social, no seu mais alto nível, referenciada no Poder. A comunidade política existe por causa do bem-comum, no qual está a sua plena justificação e sentido. A política é tanto mais nobre, quanto mais e melhor resolver os problemas dos cidadãos.
    Sendo a política uma dimensão eminentemente humana, então o homem é o seu núcleo fundamentador e difusor, centro da comunidade estadista e, perante esta, o homem torna-se cidadão com obrigações e responsabilidades, em que os interesses particulares se submetem ao interesse geral, materializado no bem-comum, a que toda a comunidade, sem exceção, tem direito.
    O poder político é oriundo do homem, o vínculo natural que garante a coesão do corpo social, como tal, também ele justificado, desde que organizado para o bem-comum, este, essência da legitimação daquele.
    A comunidade política, como realidade histórica, assume diversas formas na sua estrutura e, atualmente, nela se pode distinguir três aspetos fundamentais: 1) o Bem-Comum; 2) o Direito; 3) a Autoridade, que, no seu conjunto, definem o Estado.
    Muito sinteticamente dir-se-á que: o Bem-Comum é a finalidade do Estado; o Direito objetiva e define o poder político, através da Lei, à qual devem obedecer a Administração e os particulares. A Lei Fundamental define o Estado de Direito, que a partir daquela funciona com as leis ordinárias, em estrita observância dos seus princípios definidores e orientadores.
    O Estado de Direito implica, ainda, a separação dos poderes: legislativo, Executivo e Judicial, bem como o reconhecimento dos direitos, liberdades e garantias fundamentais. 
Enfim, na composição do Estado, surge a Autoridade que se reveste de uma exigência imanente da comunidade política, a fim de coordenar, de forma livre e responsável, os esforços dos cidadãos em ordem ao Bem-Comum.
    A Autoridade funda-se na natureza humana, pertence à ordem fixada por Deus e, assim, pertence aos cidadãos eleger, livremente, o seu governo e a determinação do regime político mais adequado à prossecução do Bem-Comum.
    A Política e a Ética não podem ser aspetos incompatíveis, na dinâmica sociomoral que ao homem cabe promover. Na verdade, as relações Ética-Política podem ser analisadas numa perspetiva puramente histórica, pelo que se pode afirmar que: “na origem da Ética política está a cultura greco-romana, na simbiose da filosofia grega com o direito romano”, de resto, já em Platão se verifica uma primeira síntese da teoria política.
    Nem sempre foram de igual forma as relações entre a Ética e a Política: tendo uns, defendido o primado daquela (Platão, Santo Agostinho); outros, preferem a política (Aristóteles, Maquiavel) e, finalmente, há aqueles que conciliam as duas componentes, quer o social, quer o político, reduzindo-os às fronteiras do humano e do secular, sem qualquer abertura a Deus e ao seu projeto (Hobbes, Rousseau). Mais recentemente, Kant manifesta-se a favor da Lei Moral, como imperativo categórico, que determina ao homem a vontade à ação, independentemente de todos os motivos materiais.
    Nos dias atuais, coloca-se, também, a questão de se saber se: o progresso moral e espiritual, acompanham o progresso técnico-material. Com efeito, a descoberta de técnicas, que ainda há bem poucas décadas seriam uma utopia, e a consequente aplicação de práticas, revelam até que ponto pode a grandeza do homem chegar, todavia, tal dimensão será ela, por si só, dignificante do homem como pessoa humana, ou conduzirá, pelo contrário, à escravidão e humilhação do mesmo homem, que a desenvolveu?
    Naturalmente que tais posições pessimistas e derrotistas, são contrárias ao otimismo religioso e, então, poder-se-ia valorizar a tecnologia, o progresso material, acompanhando-os, em igual dimensão, da práxis Ética, colocando em relevo as virtualidades dos atos moralmente bons, positivamente apoiados na certeza da consciência moral, defendendo, constantemente, os mais elementares direitos naturais e valores humanos, como o direito à vida, à saúde, à liberdade de consciência e de religião, o direito de livre escolha da educação que os pais pretendem para os seus filhos, o direito de associação desde que, em ordem ao Bem-Comum.
    A relação entre a Ética e a Política parte, também e desde sempre, da família, núcleo anterior a todo o direito positivo, célula fundamentadora da sociedade. A Ética na família deve sobrepor-se à política na família, quando tal política colide com os princípios éticos, isto é, quando a natureza daquela é puramente ideológico-material.
    Afinal, é na família de hoje que reside o governo de amanhã, e são as pessoas responsáveis do presente que devem preparar os dirigentes do futuro, possibilitando à família as condições morais, culturais, religiosas e materiais para que, num ambiente de harmonia e amor conjugal, se preparem para dar continuidade ao projeto verdadeiramente humano, no plano sagrado traçado por Deus. 
    Ainda numa apreciação política, sob o ponto de vista moral, igualmente se pode salientar a importância da ética sobre a técnica, na medida em que parece que grande parte das estratégias políticas atuais, pretendem fundamentar na técnica as suas medidas, procurando reduzir ao projeto tecnológico, toda a dimensão dos interesses do homem, fomentando-se bastante uma nova mentalidade tecnocrata, ou seja, o culto, o religioso, o sentimental, o pensador, são indivíduos que em anda contribuem para o bem-estar e riqueza materiais da humanidade e, como tal, parasitários dos inventos e técnicas! Mas será mesmo assim?
    Pode afigurar-se que, nesta possível intoxicação mental, reside grande parte dos males que afligem a humanidade e, desde já, proporciona: a proliferação de situações que, neste primeiro quarto do novo século XXI, e de um recente milénio, constituem uma verdadeira praga, entre estas: a fome (quando se delapidam verbas fabulosas em armamento); o desemprego galopante (só em Portugal cerca de 8% em Fevereiro de 2021, naturalmente, a este elevado número, não será estranha a pandemia que assolou todo o mundo desde finais de 2019); falta de habitação condigna, acessível a todas as pessoas; os conflitos regionais cada vez mais internacionalizados.
    A técnica, a ciência e toda a tecnologia que as envolvem, certamente que se justificam, porém, devem ser sempre acompanhadas e controladas pela Ética. Se assim um dia vier a acontecer, então, felizes os vindouros, porque serão sinais inequívocos que os grandes princípios, valores e sentimentos, voltaram às consciências das pessoas, verdadeiramente humanas.
    É indiscutível que nas várias facetas da atividade humana existe sempre: uma maior ou menor dose da componente política, de acordo com uma ou outra ideologia, sob um ou outro rótulo, mais ou menos sonante, mais ou menos representativo e, neste âmbito, a proliferação de vários excessos, tais como indicam os inúmeros sufixos terminados em “ismos”, que por esse mundo fora proliferam.
    Neste enquadramento se situam muitos dos atuais “socialismos” radicais, mas muito poucos haverá em conformidade com a vontade e mensagem Evangélica, que convida à fraternidade, à liberdade e à igualdade, que apela à unidade.
    Que melhor socialização do que aquela que conduz à plena personalização, à equidade de oportunidades. O que mais pode preocupar, é quando os sistemas radicais de certos “socialismos” correspondem, aos seus antípodas do “capitalismo selvagem”, porque se teme que, nem um nem outro, tenham como ponto de referência o homem integral e, pelo contrário, este será utilizado como uma peça da engrenagem “coletivista” ou um “instrumento” para acumulação de riqueza, sujeito de deveres, vítima de obrigações desumanas, da opressão egoísta de uma minoria detentora do poder especulativo, da economia e das finanças.
    Invoca-se, hoje, primeiro quatro do século XXI, as opções socialistas de militantes cristãos, e esta tese doutrinária pode, de facto, ser levada à prática, porque na verdade, o movimento socialista puro nasceu no operariado oprimido, explorado, escravizado, humilhado, e mesmo vendido. O que se pretende é um socialismo social e democrático, justo e humanista.
    É necessário um comportamento genuinamente humano, de um “ser-homem-com-os-outros-homens” e, nesta atitude, deve incorporar-se a presença da Divindade, no dinamismo operário, pois Ela é tão necessária, quanto urgente, principalmente no seio dos mais fortes.
    O mundo não carece de uma “onda messiânica”, mas do simples gesto de “nos darmos as mãos”, de comungarmos dos mesmos ideais de Bem-Comum. O homem é um ser que deve transcender-se, ultrapassar a sua própria finitude, o mal e a infelicidade, porque esta é a sua vontade mais profunda, exceder-se para o bem-comum, embora, e infelizmente, muitas vezes, ignorada.
    É, precisamente, no desembocar de uma corrente privilegiada, que surge o misterioso fenómeno da conceção de Deus, é nesta altura que, exponencialmente e com toda a liberdade, pode surgir o ato de Fé, ou seja, de conhecimento e reconhecimento da Verdade, buscada pelo homem sobre o homem.
    É, portanto, na perceção da existência Divina, que toda a política poderá ser conduzida, harmonicamente, considerando, na devida conta, os interesses de cada um, e a estabilidade do todo, premiando os que honesta e dedicadamente desenvolvem a sua atividade, dando oportunidade àqueles que, por diversos motivos, não conseguiram, ainda, integrar-se numa sociedade que se pretende digna, com possibilidade de amor, de defesa dos valores absolutos, consubstanciados num Deus único de Amor.
    Uma política de trabalho, conhecimento e amor, numa disciplina moral que engloba toda a atividade humana. É preciso que os políticos tentem uma “aventura de salvação”, e com eles arrastem os seus apoiantes, uma aventura de salvação pelas estradas que conduzem ao Bem-Comum, e que desde logo se iniciam nos “carreiros” da: tolerância, respeito, amor, paz e felicidade. Estes “carreiros” quais “afluentes” dos rios, seguramente que convergem para a dignidade da pessoa humana.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

 

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