Bom dia, ontem- Perce Polegatto

    

     Quando se olha por uma janela e se observa o mesmo panorama, com os mesmos recortes de telhados, através dos mesmos vidros, por entre a mesma moldura, tanto no dia de ontem como no dia de hoje, o pensamento alonga-se como se espreguiçando, que as coisas todas parecem não passar nunca, e a nossa janela e os nossos dias estão sempre aí, ao alcance dos olhos. É um dia canadense, de nuvens. Um domingo de nuvens. Canadense, como digo a ela brincando. Mas ela ainda não acordou. Só eu fui à janela. Sou só eu quem vem até a janela. Tudo acontece agora.
    Mas o tempo passa, as coisas passam, e as pessoas deixam de existir. Muitas vezes, antes das coisas. A vida ocorre somente neste momento em que escrevo e conto. Não existe vida no passado, é claro. E não há nada real no futuro, porque o futuro só pode ser imaginado. A vida só se encontra no presente, como eu sempre soube, que é quando – e onde, por que não? – qualquer coisa em minha vida pode acontecer.
    É inútil que eu tente encontrar aquele menino que eu fui um dia – outra imagem de fotografias domésticas, rosto contraído pela timidez ou por uma estranha ansiedade – porque aquele menino, naturalmente, não existe. Porque aquele menino sou eu, agora. É claro. Aquela timidez não existe mais, não aquela, hoje diluída no passado, junto com o menino e com seu rosto ansioso, quase em pânico. Nunca ninguém encontrará esse menino. Em parte alguma. Fico olhando quieto a manhã de nuvens. Isso não me entristece. Isso é justamente o que torna meu presente tão valioso e tenso. As nuvens, que nunca são as mesmas. Os mortos, que não existem. O menino que desapareceu para sempre.
    Mas se não é o cartão-postal urbano o que vai sutilmente se alterando, somos nós e os nossos olhos o que vai se dispersando. Não tanto a maneira de ver, mas porque o tempo não pode ser detido. E nós o carregamos como um vírus, contra o qual não existem vacinas, e ainda bem. Eu e minha namorada somos jovens e nos procuramos como se fôssemos sempre depender do mesmo gênero de necessidades e carências, enquanto trocamos a nossa imagem e a oferecemos um ao outro, como num espelho recíproco de nós mesmos e de nossa nítida juventude, pois quase nunca nos lembramos, e ainda bem também, de que nenhum espelho nos repetirá em outro tempo.

Do romance “A seta de Verena”

montagem de imagem de Fernanda R-Msquita


Comentários