LINGUAGEM SOBRE DEUS- Diamantino Bártolo

     

    O problema de Deus é um tema colossal porque: extenso, complexo, difícil e muito importante, na medida em que na História do Pensamento Ocidental, ao longo dos tempos, se tem encontrado expressões variadíssimas, opostas e até depreciativas, relativamente à possibilidade de o homem conhecer Deus, ou, pelo menos, provar a sua existência e, neste sentido: há os que afirmam ser impossível provar tal existência; e outros que defendem a viabilidade de se chegar a tais provas, e, por conseguinte, a Deus.
    Há quem afirme que «Deus é a chave da unidade na visão do mundo do crente monoteísta» e o próprio termo Deus é de natureza religiosa, não podendo ser apropriado pela Filosofia, embora contenha questões que interessem, ou afetem, o pensamento filosófico, porque o homem, na sua atividade religiosa, se caracteriza por descobrir um âmbito sagrado, ao qual se refere com adoração e expectativa de salvação, remetendo para um ponto mais além, de todas as manifestações simbólicas ou hierofanias.
    Tal ponto é já o Mistério, o que é específico da religião monoteísta e, para compreender a sua essência, teremos que colocar o seu Deus único, ao lado do Mistério, invocando-se Aquele pelo diálogo da oração, e assim, o Deus único do Mistério e o Deus invocado pela oração, resumem-se na fórmula do Mistério Agraciante.
    Neste primeiro raciocínio sobre Deus, parecem importantes as ideias definidoras do termo Deus, como sendo de natureza religiosa e, por outro lado, que no âmbito do sagrado, se condense o Mistério Agraciante.
    Importa, igualmente, destacar a aproximação dos dois termos básicos no desenvolvimento, e que são: a Razão e Deus, porque se Este, é um termo religioso; aquela, é a capacidade de recolher, ordenar e unificar a realidade, aparecendo Deus como princípio de toda a realidade.
    Ora, se a Razão tem capacidades tão profundas, é razoável que o homem, através dela, acredite na existência de Deus, na medida em que os seres humanos necessitam de sentido para as suas vidas, sentido que encontram acolhendo-se a uma outra visão do mundo, que dá consistência e unidade às suas condutas.
    Mas a Razão que aqui se desenvolve, não é de natureza científica, do âmbito das ciências empírico-positivas e formais abstratas. A Razão que efetivamente nos impele para Deus, é uma “Razão Vital”, que atravessa a vida do homem, e se deixa penetrar por essa mesma vida, é uma razão que supera o sentimento trágico, segundo o qual, Deus não se consegue pela razão científica positiva, o que faz sentir tragicamente o problema.
    A Razão Vital é uma Razão Constitutiva do desejo do homem de ter uma certeza sobre a realidade, a partir da adaptação a essa mesma realidade. O homem deseja conhecer Deus, que é uma realidade que se prova a partir de raciocínios e experiências vivenciais. Destas vivências, duas respeitam, exclusivamente, ao homem, sendo designadas por: «Vivências de Fundamento e Vivências de Esperança». (cf. CAFFARENA:1985).
    As Vivências de Fundamento, prendem-se com o facto de que tudo quanto o homem faz, fá-lo procurando fundamentar-se a determinados níveis. Assim, o homem encontra, ou não, o fundamento nos seus conhecimentos, no meio social em que se desenvolve, na sua capacidade de afrontar com êxito os desafios da vida. Tal fundamentação serve, também, para a necessidade de, filosoficamente, situar o problema de Deus como “O Ser Fundamental”.
    Quanto às vivências de esperança, elas dão a vivência de sentido, numa esperança que é tanto mais afetante, quanto mais profundo é o projeto de autorrealização que somos, isto é, “Desejo Constitutivo”. Nesta estrutura vivencial, e a este nível, o termo sentido é tirado da orientação espacial, e o ser é orientado pelas suas esperanças. O homem vive de esperanças, e tudo o que faz é com a esperança de obter algo. É neste núcleo vivencial que se situam as vivências morais, amorosas e de liberdade.
    Se por um lado, as vivências de fundamento originam uma atitude de espera de salvação, consubstancial à atitude religiosa; por outro lado, as vivências de esperança, ou de sentido, possibilitam um relacionamento com a religião, na medida em que originam atitudes religiosas, tal como a adoração, que consiste em viver-se como radicalmente fundamentado noutro ser, de quem se está recebendo o ser existência. É possível que as vivências religiosas tenham sido as mais originais, ao longo da história humana.
    O desenvolvimento racional em ordem a Deus, comporta duas categorias de provas, a saber: Provas Cosmológicas e Provas Antropológicas. Nas Provas Cosmológicas, seguiram-se mais as vivências de fundamento, porque buscam a justificação de toda a realidade, e o argumento-síntese de todas as provas desta natureza poder-se-á expressar, filosoficamente, por uma fórmula silogística: «Se o nosso mundo é constituído por seres limitados e contingentes; ora, não é possível que um mundo assim exista por si mesmo; logo, temos que admitir um fundamento pelo qual tudo existe e que seja transcendente ao mundo». (Ibid.). As provas cosmológicas são importantes, porque não é possível haver homem sem mundo. 
    Seguindo o mesmo esquema, as provas antropológicas da existência de Deus, também se podem resumir ao seguinte silogismo: «Se quando vivemos segundo a consciência moral, procuramos realizar o projeto radical, ou admitimos o bem supremo, que é amor originário, ou procedemos de maneira desesperada; ora, admitir este último seria o sem-sentido vital inadmissível; logo, podemos e devemos admitir o bem-supremo, isto é, o amor-originário.» (Ibid.)
    Nas provas antropológicas, verificamos que predominam as vivências de esperança, ou de sentido, pois pretende-se chegar a Deus como a uma meta última de projeto do homem, como garante da sua realidade. No fundo do argumento, está o desejo estrutural, ou radical metafísico do SER, significando que existe algo capaz de satisfazer este desejo.
    Os postulados, ou hipóteses, do tipo metafísico, são exigidos pela radicalidade do próprio SER, a que Kant chama “Fé Racional”. É uma fé enquanto se distingue do simples raciocínio científico, e conserva sempre um certo sentido de Mistério, mas é racional porque é, metafisicamente, exigível pela radicalidade do SER. Como conclusão, será possível, salvo melhor opinião e douta, ficar-se com as seguintes ideias: 
    1) Deus é um termo religioso, porque se situa no âmbito sagrado, ao lado do Mistério e invocado pela oração, resumindo-se na fórmula: “Mistério Agraciante”; 
    2) Razão Vital, que constitui a ligação entre a Razão Científica das ciências empírico-positivas e Razão Científica das ciências formais-abstratas, Razão que atravessa a vida do homem, e se deixa penetrar por essa mesma vida, numa dinâmica vivencial; 
    3) Vivência ou Experiências Vivenciais: a) “Vivências de Fundamento”, pelas quais o homem se alicerça a determinados níveis, assumindo uma atitude religiosa de “espera de salvação”; b) “Vivências de Esperança”, que dão ao homem o sentido da sua vida, que afeta o seu projeto de autorrealização, e incute-lhe uma atitude religiosa, de adoração a um ser do qual se recebe existência; 
    4) Provas da Existência de Deus: a) Cosmológicas, que partem da realidade mundana. No seu desenvolvimento procuram aplicar o princípio metafísico da Razão Suficiente, ou de que tudo tem que estar fundamentado, para se chegar a Deus; b) Antropológicas, que partem das vivências humanas. Desenvolvem exigências das próprias vivências de sentido, que são o desejo constitutivo de autorrealização e adoração a um SER, do Qual se recebe o Ser Existência.


Bibliografa

CAFFARENA, José Gómez, S.J. (1985). Lenguaje sobre Dios. Madrid: Fundación Santa María (págs 27-90)

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

NALAP.ORG

 




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