Partilho contigo- Felismina Mealha


 Partilho contigo, a Luz dos trigais
O cantar das cigarras à hora da sesta
O cantar dos grilos o chiar dos pardais,
E aquele céu tão lindo, pintado p`ra festa!
Partilho contigo, as cores daquele chão,
Rosado e vermelho, gritando a razão,
De aos meus olhos gratos, ser uma paixão…
Partilho contigo, as árvores floridas,
Quando a Primavera trazia às cercas
 Aquele aroma das folhas das figueiras
De novo vestidas, para a celebração!
Partilho contigo, o som orquestral
De todas as aves, em cantos suaves,
Que por aquele Vale, eu ouvia…sorrindo!
Partilho contigo, aquele cheiro a Verão,
Eterna canção do trigo ondeando,
E dos homens ceifando os campos do pão!
Partilho contigo, aquele céu de agosto,
Aquela Via-láctea, os biliões de estrelas,
Aquele sossego, sómente quebrado
por um uivo, ou miado, ou pelo cantar do galo!
 Não te esqueças!…não!

E aquela lua clara, que desenhava no chão,
Meu corpo franzino, meus passos de então!
Partilho contigo, sonhos que sonhei…
E coisas que sei, que tão minhas são!
Partilho contigo o tempo em mudança…
O Outono chegando, as aves partindo
Em enormes bandos, para outro Verão!
E os catacuzes, curtos e já secos,
Exibindo as teias que as aranhas faziam,
Brilhando orvalhados ao Sol das manhãs,
Como criação artística de uma geração.
Quais cristais, sobre a terra quase nua,
Em frente à casa, que modesta,
Se engalanava assim, para a grande festa
Dessas horas matinais!
Ah! Como tão pouco, fez de mim uma rainha!
Meus domínios se enfeitavam de ouro,
 E de esmeraldas que trepavam nos canteiros,
Num aroma vegetal, sem igual!

Ah!
Essas cores Outonais do ouro e da terra,
Os cheiros do feno, as sombras da serra,
Onde o “Maljugado”, erguendo-se a Norte,
Escurecia o lugar, e escondia o caudal
Do ribeiro-estrada…
Nesse verde-negro, nesse verde-água!
Oh! O Tio Terezinha! Arcado e curvado,
sempre delicado,
Tirando o chapéu para me cumprimentar:
Boa tarde, “Menina Gomes Mealha”!
(como gostava, de me chamar) …
Lembras-te, quando nos falava das suas ideias?
Das propriedades que ia visitar?
Sem se aperceber, levava-nos com ele a esses lugares…
Condados de Palma…enfim!
Coisas que sabemos, que foram ficando,
em ti, e em mim…

Ah! só eu vejo a beleza dos dias tristes de Inverno,
Quando ali, junto à lareira, minha doce companheira
Me ensinava uma canção, uma poesia, e a magia
de um bordado, ou de um remendo, que sem parar…ia fazendo!
E o pai contente, bem-humorado e atento a tudo 
o que faziamos, aconchegava as brasas, fazia o café
e preparava as torradas com que terminava-mos
mais um inesquecível serão.
Oh! Poema saudade!...Poema idade
Da minha meninice…
Que doce cancão!


Quando foi que disse, que já mais me esqueço
Daquele lugar, que me faz chorar, ou me faz cantar,
Sempre que o visito?
É contigo, que o partilho!
Só contigo!

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