Velhas novidades- Perce Polegatto

   
     
De toda parte, os caminhos pareciam convergir para conduzi-lo ao que fosse seu centro secreto, o que seria inverter as coisas: seu centro é que buscava realizar-se e se utilizava do que mais lhe acorresse ao redor. Mas levanta-se especialmente aquela jovem, essa fêmea, esta mulher, em meio ao real e ao imaginário, em meio ao espaço delimitado por tudo que configurasse o bar e os domínios nebulosos por onde se desenvolvessem todas as imagens possíveis. Ela não sorri. E seu olhar parece triste. Mas nada disso importa aos homens que a observam, nada disso diminui seu valor de mercado e seu potencial erótico. Trajes que lhe permitem exibir as pernas, as costas e os braços. E que mais lhe revelam, por supostamente pretenderem esconder, os seios, a cintura e as nádegas. Que trazem, ao fim do conjunto, seu rosto entre cabelos discretos e mínimos adornos, tanto quanto conduzem a seus pés, redesenhados por calçados tão justos que parecem ter assimilado a sequência de seus movimentos.
    “Rapaz!”, Bruno estreitando os olhos como se lhe fustigasse um relâmpago. “De onde saiu isso?”
    Isso. Ela. Os muitos olhos masculinos perseguem seus passos por onde vá. Ali está ela, especialmente. Essa que poderia ser outra qualquer, cujo corpo serve de motivo a comentários obscenos e secretas fantasias. Nascida de outra como ela, está viva e respira, mas que novidade, e envelhece sem perceber. Mas, caso seus pais não se houvessem encontrado: existiria? Seria outra pessoa? Ela mesma, de pais diferentes? Outro absurdo, já que se chegou até aqui: talvez um homem?
    Por pouco, alguém nasce homem ou mulher. Depois, cegamente, passa a vida toda de uma forma ou de outra, em busca de seu oposto, não, oposto nunca foi uma boa palavra. O mundo é povoado por uma infinidade de pessoas que se julgam únicas. E não importa quem. Uma vez nascido, pensará um dia que sim, teria mesmo de ter nascido, sem pensar que poderia ser talvez seu irmão mais velho ou sua irmã mais nova ou, o que também é provável, irmão nenhum. Isso porque todo ser pensante pode dizer: “Eu”. Se fosse outro, veria o mundo por outro ângulo, praticamente o mesmo, e tornaria a dizer: “Eu”.
    Júlio imaginava, quase sem querer, encontrar-se frente àquela mulher encantadora que já desaparecia no caminho tortuoso, rumo aos sanitários. Os cabelos dela eram tão castanhos, de tons claros lembrando ferrugem, e seu olhar tão vago, que as folhas das árvores cairiam ao redor, por onde ela passasse, pensando que já teria chegado o outono. Tolamente, como sempre tolos são os resultados de suas cenas inventadas, imaginou que ela se chamasse Ana Paula, por isso lhe perguntava: “Todos a chamam Paula, não é?”. “Sim”, ela sorriria discreta e um pouco triste. “Eu a chamarei Ana.” Decididamente. Certo, dava-se esse direito. Era ele quem a construía com seus próprios recursos, não como aqueles que a pretendiam devorar como meros fertilizadores, ansiosos carnívoros no plano intenso de sua excitação. Mas o resto não era diferente: queria devorá-la também, apenas com outros temperos. Apenas com algo mais de herbívoro, já que também se reconhecia um carnívoro como todos. E o desejo de fazer multiplicar seus genes era o mesmo daqueles que pretendiam multiplicar suas ideias, suas filosofias, suas religiões, dos que queriam converter a todos, garantindo a permanência de uma doutrina, de uma lei, assim como se criam cães e gatos, dando-lhes nomes ou apelidos humanos, substituindo sua descendência ou acrescentando-os a ela, como fazem os que multiplicam objetos industrializados, seus livros e suas palestras.
    Sob a magia, as graças e a proteção do deus Álcool, sentia-se um pouco mais abstrato, depois que ela passara de volta, pelo mesmo caminho. “Ana, me diga: onde você estava esse tempo todo?” “Andando pela Terra”, essa jovem com um sorriso triste, “mas sem sair do lugar.” Claro, assim como todos nós: sem sair do lugar. Sem sair da Terra. “Sabe, Ana... Eu não estou bem. Por isso estou me confessando. Todos nós nascemos para o que não sabemos. E vivemos pelo que acreditamos. Não é assim que dizem? Afinal, a vida é feita de música e guerra. E... o que mais? O que eu dizia mesmo? Ajude-me, Ana. Eu não estou bem. Minha vida está passando. Estou fazendo isso por você. Não? Tem razão. Faço tudo por mim. É hora de desistir, tranquilamente. Outros poderão ir além daqui. Não eu.”

Do romance “Os últimos dias de agosto”

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