Numa cultura democrática, há regras essenciais que se afiguram de cumprimento obrigatório, entre elas: o respeito pelos adversários; a preservação do bom nome, da honra e da dignidade; a educação, gentileza e sociabilidade, entre outras, naturalmente importantes, que definem, não só um regime sociopolítico plural, como também um novo mundo civilizacional global, no qual não podem ter lugar as “capelinhas”, os “feudos”, a “manipulação”, a “prepotência”, a “humilhação” e a “censura”, às ideias e comportamentos diferentes dos nossos, quando tais atitudes não ofendem ninguém, do ponto de vista de quem age de boa-fé.
Num regime Democrático, o combate político faz-se no domínio das ideias, dos projetos, das realizações passadas, presentes e aquelas que são apresentadas ao eleitorado como exequíveis, sem demagogias nem manipulações ilusórias que, à partida, podem configurar, puras utopias e estratégias de “caça” ao voto, driblando, sem escrúpulos, as pessoas que, generosamente, confiam em nós.
Hoje, como no passado e no futuro, ninguém é dono da verdade. Prometer tudo aquilo que não se tem, constitui fraude, na circunstância, burla eleitoral, ideológica ou estratégica, e isso não é admissível num regime democrático que se deseja transparente, leal, civilizado.
A democracia caracteriza-se pela existência de forças e movimentos cívicos, partidos políticos, também de listas de pessoas independentes e/ou pessoas individualmente consideradas, que nos termos da Lei se constituem e concorrem para determinados Órgãos do Poder que, com elevação e dignidade se apresentam ao eleitorado com os seus programas.
No regime democrático não se deve confundir os inimigos de quaisquer circunstâncias, que conduziram a esta situação, com os adversários políticos. E se: os primeiros, utilizam procedimentos que, em muitos casos conduzem à violência e até ao suicídio; quanto aos segundos, nada pode impedir que social, ética e moralmente se relacionem com educação, com amabilidade e tolerância.
As boas relações entre candidatos adversários, é um factor de credibilização da democracia e dos políticos intervenientes. A política “paroquial”, na qual, por vezes, se recorre a processos mesquinhos de intimidação, perseguição, ameaças e censuras, é incompatível com a dignidade democrática.
Atualmente, mais importante do que rivalidades pejorativas, persecutórias e de cariz condenatório, quantas vezes, em praça pública, o que interessa às populações é terem a garantia de que são governadas por pessoas inteligentes, tolerantes, solidárias e democráticas, porque de politiquices que têm na sua raiz certos fundamentalismos, de alegados e autoproclamados “notáveis”, “veteranos”, “barões” e outros títulos que ostentam nas conversas públicas, e na censura que fazem a outros colegas, está o mundo cheio e desses, não são precisos mais, porque já bastam os que temos.
Vivemos num mundo global, num país que se deseja cada vez mais próspero e coeso, numa cidade, vila ou aldeia em que os seus habitantes se devem relacionar com civismo, com educação, com gentileza. Afinal, todos precisam de todos e quem hoje está no domínio de certas situações, conhecimentos e poderes, amanhã poderá perder um determinado pelouro, como de resto se tem visto e assim vão continuar o mundo e a vida.
Abdicar de princípios, deveres, direitos, valores e sentimentos, para se agradar a alguém, sabendo-se que tal comportamento é prejudicial à própria pessoa, que assim se assume, revela, eventualmente, hipocrisia, falta de bom-senso, imaturidade e descredibilização, no entanto, também se aceita que, em determinadas conjunturas, tenha de haver alguma contenção, para não se ser mal interpretado e, injustamente censurado.
Em política, por exemplo, como em muitas outras diversas atividades, é salutar que tenhamos a capacidade de enfrentar as situações com elevação, revelando, tal como nas atividades desportivas, o necessário e saudável “Fair Play”, expressão inglesa que, em bom português, significa modo leal de agir.
Resulta que, numa disputa eleitoral, é essencial que não existam listas ou candidatos únicos, até porque tal situação retira mérito ao vencedor. Importa que surjam vários oponentes, cada um com seus projetos, ideias e obra feita ou a fazer e que tais concorrentes esclareçam o eleitorado do alcance dos seus planos.
Nestas circunstâncias, isto é, com vários concorrentes a um determinado cargo, é importante ter a humildade democrática de saudar e dar as boas-vindas aos adversários, porque a luta política faz-se de pessoas, com pessoas e para as pessoas, todas com a sua dignidade e merecedoras de respeito e consideração. São os adversários que aumentam mérito uns aos outros, quando atuam com civismo e elevado sentido democrático e ético-moral.
Seria tremendamente prejudicial aos valores democráticos, como: a liberdade, a fraternidade, a igualdade, a solidariedade, a educação, a tolerância, a humildade, a generosidade, entre outros, se candidatos, apoiantes e eleitores optassem por se digladiarem, injuriarem e cortassem relações pessoais e sociais.
Vivemos o primeiro quarto do século XXI, um tempo em que o mundo continua a enfrentar imensos e fratricidas conflitos, precisamente porque a força do diálogo, ainda não conseguiu vencer a intransigência de certos governantes e a violência das armas, conhecendo-se os resultados, consubstanciados em perseguições de vária natureza: religiosa, política, económica, financeira, estratégica, entre outras, mas também, a miséria, a fome, a destruição e a morte.
Que sentido fará, nos nossos meios “paroquiais” recorrermos à injúria, à ofensa, à difamação e ao corte de relações pessoais e sociais, por razões meramente ideológico-políticas? Que cultura democrática temos, quando enveredamos pelos radicalismos e julgamos as outras pessoas, pelo facto de terem ideias diferentes das nossas? Seria muito interessante que cada um de nós refletisse na máxima Kantiana: “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti” ou, numa versão positiva: “Faz aos outros o que desejas que te façam a ti”. A vida é curta e tem de ser bem orientada, para nós e para os outros.
O essencial está: nas nossas convicções; nas escolhas que, fundadamente temos de fazer; na avaliação que é necessário elaborar sobre projetos, realizações e candidatos; nos valores que nos são apresentados e, na medida do possível, já demonstrados, porque tudo o resto, não passa de especulações feitas por algumas pessoas “iluminadas”, “donas da sua verdade dogmática”, que nada interessa, para o bem-comum em geral, nem para o bem-estar pessoal, em particular.
É tempo, portanto: de nos deixarmos das políticas paroquiais; das preocupações infundadas; das desconfianças; do apontar o dedo para a vista do colega que tem um argueiro, quando na nossa própria vista temos um barrote, enfim, não é possível ver um “tsunami” onde existe, apenas, uma molécula de água.
Sejamos corretos, educados, amáveis e tolerantes para com os nossos adversários, eles, à partida, não serão nossos inimigos no sentido figadal do termo, de resto, a luta política envolve, quantas vezes, grandes amigos que, naquela circunstância, se encontram em campos ideológicos diferentes, mas não será por via disso que vão cortar relações.
Como é lindo, por exemplo, ver e ouvir os adversários, no final de um ato eleitoral, cumprimentarem-se: o vencedor, elogiar o vencido pela sua prestação democrática; este, felicitar aquele pela elevação democrática e de respeito assumido durante a campanha e, nunca o humilhar pela derrota e, quantas vezes, o vencido até é convidado para trabalhar com o vencedor. É assim que devemos estar na política.
Finalmente, penso que é um ato de boa educação, de amabilidade e de sentido democrático, saudar os adversários, desejando-lhes que realizem uma campanha de alto nível. Gostar do surgimento de novos candidatos revela, afinal, que não temos qualquer receio do combate político com tais concorrentes, por isso lhes deveremos demonstrar o nosso “modo leal de agir”., de resto, são os adversários que acabam por valorizar, ainda mais, as nossas prestações. Isto sim, é Democracia moderna, civilizacional, global.
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Diamantino Lourenço
Rodrigues de Bártolo
Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
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