O primeiro amor na adolescência- Diamantino Bártolo

  

 
Divino e Fernanda, ainda adolescentes, sensivelmente da mesma idade, 11/13 anos, portanto, da mesma época, acabavam de concluir o ensino primário, ao tempo, correspondente a 4 anos de estudos. Os dois adolescentes, mas já com compleição física e mentalidade jovem, habitavam o mesmo prédio com dois pisos: Divino com os pais habitava o 1º andar; Fernanda o rés-do-chão, numa pequena aldeia a norte de Portugal, banhada pelo Oceano Atlântico e uma belíssima praia, de areias muito limpas e bastante iodo, aliás, muito recomenda para problemas de sinusite, respiratórios e outros adjacentes a estas patologias.
    Os dois jovens,  não eram oriundos de famílias ricas: o pai de Divino trabalhava como pintor na construção civil e o salário era muito baixo; a mãe dedicava-se às lides de casa, cuidava de alguma criação para consumo próprio e ainda trabalhava pequenos terrenos para colher alguns legumes, tubérculos e fruta; o pai de Fernanda era funcionário dos caminhos de ferro portugueses e a mãe responsável pelo controlo de abrir e fechar as cancelas, antes e depois dos comboios passarem. 
    Pode-se afirmar, com toda a segurança, e verdade, que estes dois casais conviviam com muita tranquilidade e respeito, sempre se juntando por ocasiões mais especiais, como aniversários, festa da Páscoa, no Natal e Ano Novo. Fernanda tinha um irmão mais velho do que ela, que já trabalhava longe de casa e que raramente vinha visitar as nossas famílias.
    Divino já tinha uma intuição muito apurada em relação a situações sentimentais, por isso, desconfiava que Fernanda preferia estar com ele mais vezes, do que com os outros rapazes de igual idade, que frequentavam a mesma escola. Por sua vez, ele próprio, também começava a sentir uma aproximação a Fernanda que, de início, não sabia bem explicar, mas que ao lado dela, tudo era bom, pensando ele, ainda na sua precoce juventude, que talvez estivesse a surgir, algum sentimento idêntico em Fernanda, relativamente ao seu amigo e vizinho de habitação, que era o próprio Divino. 
    Diga-se que a jovem Fernanda era uma moça muito linda: cabelos lisos e curtos, olhos grandes, castanhos, profundos e penetrantes, com longas pestanas, dir-se-ia que, em certas circunstâncias, os olhos daquela adolescente, mas com maturidade de quem está prestes a começar a faixa da juventude, pareciam insondáveis, misteriosos. O rosto de Fernanda muito bem constituído, a fugir mais para o redondo, pele clara, aveludada, ligeiramente rosada. Fisicamente, e para a idade, então com 12 anos, já se poderia considerar uma mulher, com todos os atributos, e demais reações emocionais e psicológicas, em fase muito adiantada, talvez muito próximo da maturidade feminina, que começa mais cedo do que nos jovens. Fernanda era relativamente ciumenta, mas um ciúme que encantava, precisamente quando Divino se encontrava com outras moças que frequentavam a mesma escola.
    O relacionamento entres os dois adolescentes/jovens e também vizinhos, era cada vez mais intenso. Conviviam muito depois do horário escolar e, mesmo durante o período de aulas, Divino e Fernanda, tinham colegas da sua confiança, fossem do sexo feminino ou masculino que estariam disponíveis para os ajudar. O espaço onde funcionava o “recreio”, no intervalo da manhã, para rapazes e raparigas, era separado apenas por alguma vegetação, que não impedia qualquer conversa entre alunas e alunos.  
    Durante a aula, Divino sempre conseguia escrever um “bilhetinho” para Fernanda, quando a professora estava ocupada com outros alunos, então, logo no intervalo da manhã, dava-lhe o “papelinho” ou, caso não a visse, entregava a uma colega da confiança dos dois. Quando era a própria Fernanda a receber o “bilhetinho”, ela corava, porque já sabia que no seu interior estavam escritas palavras, frases, declarações de “amor”, claro, ainda um amor “juvenil”, muito ingénuo e puro, mas que eles já levavam muito a sério.
    Nesse mesmo dia, quando chegavam a casa, Fernanda, parecia envergonhada, pois nunca ninguém lhe tinha escrito palavras, tão do seu agrado. Enrubescia-se e dizia a Divino que tinha gostado muito do que ele lhe tinha escrito com tanto carinho, e também com um sentimento de amor adolescente, embora com grande intensidade e intencionalidade. Fernanda, já então, e apesar da sua idade, era muito inteligente e depressa se apercebeu que Divino estava mesmo apaixonado por ela.
    Terminado o ensino básico, a situação de convivência diária continuava. Entretanto, os pais de Divino queriam que ele prosseguisse estudos e o agora, praticamente jovem, aceitou, começando em outubro a deslocar-se para uma outra localidade, onde havia escolas para os graus de ensino seguintes. Mas Divino não estava a gostar dos novos estudos e Fernanda não lhe saía da cabeça, por isso deu uma desculpa convincente aos pais, e deixou de estudar.
    Os dias iam passando e a atração entre Fernanda e Divino era cada vez maior, poderia dizer-se que uma inevitabilidade os aguardava, certamente para um sentimento mais profundo e sério, não obstante a pouca idade dos dois, eles já sabiam que algo de muito bom se entranhava em seus corações, por isso, se sentiam muito bem quando juntos um do outro.
    Um belo dia, os pais de Fernanda saíram durante toda a tarde, para fazerem as compras de mercearia e demais mercadorias para o lar. Por sorte, os pais de Divino, deslocaram-se nessa mesma tarde, à localidade onde tinham nascido, a cerca de oito quilómetros, ficando os dois jovens, agora já com catorze anos cada um, sozinhos, no mesmo edifício. 
    Divino, bateu com o cabo de uma vassoura no assoalhado do primeiro andar, onde morava, para Fernanda ouvir, pois residia no rés-do-chão. Ela veio à porta, e da janela do primeiro andar, Divino convidou-a a subir para sua casa, para ficarem os dois sozinhos e assim poderem conversar à vontade, sobre quaisquer assuntos, muito embora ambos desconfiassem, que o assunto principal seria sobre as emoções que os dois sentiam um pelo outro.
    Fernanda subiu pelas escadas exteriores, pois não havia outras e, à porta já a esperava Divino que, com um sorriso franco lhe deu as boas-tardes e a convidou a entrar, ao que ela correspondeu com outro gesto semelhante, lábios trémulos e um semblante luminoso e corado. Toda ela exalava um perfume suave, de tom alfazema. 
    Vestia uma saia curta preta e uma camisola amarela, com um decote generoso, onde já se podia ver, nitidamente, a perfeição do seu peito. Docemente, Divino, agarrou na mão de Fernanda, e conduziu-a para a sala de estar, onde ambos se sentaram no mesmo sofá, bem encostados um ao outro, sorrisos “tímidos”, porém, com muito carinho e, sem quaisquer receios, do que dessa atitude pudesse resultar.
Entretanto, Divino perguntou a Fernanda se ela gostava dele, o que sentia por ele e como poderia demostrar isso mesmo? Por sua vez, e ainda antes que Fernanda respondesse, Divino emocionou-se com o olhar cândido dela, e, logo ali, se declarou, com palavras simples e, com alguma ingenuidade, disse-lhe: «Fernanda eu não sei explicar bem o que é o amor, mas o que te posso dizer é que sinto por ti muito carinho, imensa amizade, uma espécie de felicidade, e que não gostaria de te perder»
    Fernanda ouviu atenciosamente as palavras de Divino, agarrou-o fortemente com as duas mãos e, extremamente comovida, apenas lhe respondeu: «o que acabaste de dizer era o que eu mais queria ouvir na minha vida, apesar de ainda termos pouca idade. Sim, Divino, tu és o rapaz de quem eu mais gosto, por ti tudo farei se assim for da tua vontade»
    Depois desta declaração mútua de “amor” os dois jovens, abraçaram-se com grande intensidade, aproximaram os rostos que “queimavam” e, ternamente, deram um primeiro beijo na face um do outro e, de seguida, como que por encanto, as bocas atraíram-se e o beijo amoroso surgiu. Os lábios de Fernanda pareciam fogo, a sua língua rígida, igualmente muito quente, introduziu-se na boca de Francisco e este correspondeu-lhe, de igual forma. Estava selado um amor ainda precoce, mas inabalável.
    Durante mais algum tempo, as carícias não pararam, cada um procurando fazer mais e melhor e, neste embalar de afagos, ambos de braço dado, seguiram para o quarto de Divino, deitaram-se sorridentes e, depois de imensos mimos, aconteceria o imprevisível. Pela primeira vez, Divino e Fernanda se envolveram numa relação profundamente íntima, como se de dois adultos se tratasse, moveram-se como sabiam e, decorrido algum tempo, já cansados, sorridentes e felizes, olharam um para o outro, e um novo beijo selou esta união.
    Na relação mais íntima que cada um deles, algum dia tivesse experimentado, Fernanda, ainda muito excitada, sabendo que já era uma mulher completa, perguntou a Divino: «E agora, será que eu vou ficar grávida?» Divino, no entanto, sossegou-a porque também para ele, era a primeira vez que uma relação tão íntima tinha acontecido, mas como os movimentos de ambos, durante a relação, foi descoordenado, o mais natural é que nada tenha ficado no corpo de Fernanda e, de facto, assim aconteceu: Fernanda, não engravidou.
    Desde aquele dia, inesquecível para ambos, os encontros repetiam-se, continuavam a alimentar um sentimento que, apesar de ser entre, praticamente, dois adolescentes, era verdadeiramente singular, perfeito e, pensavam eles, indestrutível. Infelizmente, os pais de Fernanda mudaram-se para outra localidade muito distante, por motivos de trabalho do pai.
    No dia da partida, os dois adolescentes procuram uma oportunidade e um local seguro, para se despedirem e reiterarem o amor que realmente os unia e, novamente, pela última vez, se relacionaram ao mais elevado nível de intimidade, desta vez, porém, com todos os cuidados que já sabiam ser necessários. Abraçados, choraram, beijaram-se, levantaram-se e, caminhando em sentidos opostos, iam olhando para trás, para ver o amor das suas vidas desaparecer na distância que os ia separando, quiçá, para sempre.
    Decorridos alguns anos, Divino teve conhecimento do falecimento de Fernanda, por doença não identificada à época, teria ela cerca de trinta anos. Divino quando recebeu tal notícia da boca de seus pais, durante o almoço, ficou como que “fulminado”, porque aquele primeiro amor, continuava latente, bem no fundo do seu coração. 
    Retirou-se para o seu quarto, ainda a meio da tarde e, enrolado no cobertor da sua cama, chorou copiosamente a morte daquela que lhe deu o que tinha de mais importante na vida: o seu amor, a sua virgindade. Divino, durante alguns anos, não foi mais o jovem alegre, brincalhão e feliz. Com a morte de Fernanda, morria também o amor à vida, que Divino tinha enquanto o amor uniu estes dois adolescentes. 

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal



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