Cultura Democrática e de Não-Violência- Diamantino Bártolo

   
Caricatura de Silvestre Pinheiro Ferreira (publicada em 1850,
 n'O Jardim Litterario –
 Semanário de Instrucção e Recreio

 
Ao nível de uma cultura de valores, a influência Silvestrina,( silvestre Pinheiro Ferreira, 1769-1846) ainda que, em certas épocas posteriores possa ser indireta, na verdade o que se pode constatar é que considerado o valor “Justiça”, e a correspondente atitude do justo, ou o valor “Liberdade” e os atos que a confirmam, encontram-se nos grandes pensadores modernos, as mesmas preocupações, já reveladas ao longo de mais de dois milénios. 
    Anote-se, a título ilustrativo e para valorizar, não só o sistema democrático como também a importância da filosofia da educação para a cidadania, e do Direito, o que escreve Felipe, quando analisa uma teoria da Justiça: «A Justiça, numa sociedade democrático-constitucional, resulta, pois, de uma decisão e da concordância de todos os interessados em oferecer e receber benefícios sem prejudicar-se nem a si nem aos demais cidadãos. Esse acordo prevê, ainda, a eliminação das condições que possibilitam a obtenção de privilégios não oriundos do esforço pessoal em prol da sociedade como parte do contrato constituinte da Justiça.» (FELIPE, 1997:104).
    Precisamente, nesta orientação, Pinheiro Ferreira mostrava-se contra os privilégios que, num sistema constitucional, (tal como ele o defendia) devem ser negados, afirmando isto mesmo no esclarecimento que ele dá a propósito do Art. 8º da Declaração dos Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão: «O carácter distintivo do sistema constitucional é a negação de todo o privilégio. Neste sistema, todos devem ser sujeitos à lei comum.» (FERREIRA, 1836:7).
    Também aqui se destaca uma cultura de isenção e de igualdade na aplicação da lei, independentemente da condição social, económica, política ou outra, dos respetivos arguidos. É um princípio sagrado na aplicação do direito e, nessa perspetiva, Pinheiro Ferreira revela, no seu pensamento, um grande contributo para as sociedades modernas, constitucionais e democráticas, como de resto era seu desejo, ainda que o seu apego a um certo tipo de democracia, não seja, de facto, de grande entusiasmo.
    Sobre uma cultura de não-violência, e do exercício da autoridade, com firmeza e moderação, alguns exemplos se encontram na pessoa de Silvestre Ferreira: quando, a propósito da outorga da Constituição Espanhola, se discutia a quem deveria ser entregue a regência do Brasil, se a D. Pedro de Alcântara, se a pessoas nomeadas pelo povo; ou ainda que o Príncipe exercesse só a presidência do governo, com limitação de poderes. Discutia-se, então, sobre a necessidade de D. João VI se manter no Brasil, de onde governaria o seu reino europeu.
    Enquanto a Assembleia assim funcionava na Quinta da Boa Vista, ocorriam tumultos graves na Praça do Comércio, tendo os ministros presentes condenado tais atos, alegadamente de insubordinação e determinando que se reduzisse tal assembleia, considerada atrevida. 
    A este propósito, Silvestre Ferreira não concordaria com o modo de implementar tal medida, demonstrando aqui, uma vez mais, o seu apego aos valores da democracia, designadamente, o da liberdade de expressão e de reunião, para que as práticas de uma verdadeira cidadania se pudessem exercer, sem receios e, prudentemente, aconselhou o que, em sua opinião, seria o mais indicado em tal situação:
     

«Se restabelecesse a supremacia da autoridade punindo o descomedimento  dos eleitores, mas sem esquecer-se que os excessos eram devidos à exaltação dos ânimos e que, portanto, cumpria reprimi-los sem assomos de vigor. Opunha-se a que as tropas sitiassem a Praça do Comércio, não só porque essa ostentação de força, em tal momento, poderia ser causa de lamentáveis conflitos, como porque não assistia ao governo o direito de cercar  de forças militares, uma assembleia que se reunira em virtude de um acto     próprio do governo para ocupar-se de negócios públicos.» (POMBO, 1957b:41).

    É bem patente, neste particular, a demonstração inequívoca de uma cultura, também democrática, porque, no momento dos eventos relatados, Pinheiro Ferreira era um dos políticos reunido com os demais e que, na circunstância, viria a desempenhar as funções de Ministro da Guerra e das Relações Exteriores, portanto membro ativo e de pleno direito do governo de D. João VI, e, mesmo estando a ser criticado pelo povo na praça pública, ainda assim compreendeu, ao contrário dos seus pares, a atitude da assembleia popular, e não permitiu o uso da força indiscriminada, sem que com isso pusesse em causa a punição dos responsáveis, caso se apurasse o grau de culpabilidade de cada um.


Na sequência desta reunião, verificaram-se alterações na composição do Governo de D. João VI, conforme é referido na obra de Jaime Cortesão y Pedro Calmon: «Tomas António retirou-se para ceder as pastas dos Negócios Estrangeiros e da Guerra ao liberal Silvestre Pinheiro Ferreira.» (1956:585).





Bibliografia

CORTESÃO, Jaime y CALMON, Pedro, (1956). História da América e dos Povos Americanos, Brasil, Barcelona: Salvam Editores, S.A. Págs. 581-599.

FELIPE, Sónia Teresinha, (1997). “Justiça Íntegra – a Teoria da Justiça como Farense em John Rawls”, in: Filosofia, Goiânia: Universidade Federal de Goiás – Instituto de Ciências Humanas e Letras, Vol. 2, (1) jan./jun., 1997, Págs.100-107.

FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1836) Declaração dos Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão. Paris: Rey et Gravier.

POMBO, José Francisco da Rocha, (1957b). História do Brasil. Nova Edição Ilustrada, Vol. IV, W. M. Rio de Janeiro: Jackson. Inc

Venade/Caminha - Portugal, 2023

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

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