Nem sempre o amor vence obstruções e barreiras- Diamantino Bártolo

    
     Numa pacata aldeia minhota, à beira-mar “plantada”, no Norte de Portugal, a vida era calma e não era costume registarem-se casos que alarmassem a população. Como em qualquer aldeia deste país     Lusitano, e especialmente em determinadas épocas do ano, as festas populares sucediam-se com muita frequência, principalmente no verão, quando os emigrantes nacionais vinham de férias para ver as suas famílias e amigos.
    Num desses anos, Dirceu, cujos pais residiam nessa localidade, o filho, voluntariamente, já prestava o serviço militar em Lisboa, na Armada Portuguesa, vinha regularmente à aldeia, passar o fim de semana com os pais, desfrutando também da companhia de algumas amigas e amigos, bem como, frequentando as festas locais, os respetivos bailaricos e a praia, regressando a Lisboa no domingo ao final da tarde.
    À época Dirceu teria os seus 18 anos e nesta idade, já tinha experimentado alguns “namoricos”, com as moças das aldeias circundantes à sua. Foi num desses fins-de-semana, no final da festa principal da aldeia, onde ainda residiam os pais, que o jovem militar, depois das atividades religiosas da tarde, ficou por mais algum tempo, para participar no baile que se seguiu, junto ao adro da Igreja.
    O moço gostava muto de dançar e para a sua idade, não o fazia nada mal, pelo contrário, raramente recebia uma recusa da jovem que convidava para bailar com ele. Nesta ocasião, logo que o baile começou, Dirceu convidou Mercedes para a primeira valsa, ao que ela, de imediato, acedeu e assim continuaram durante muitas danças até ao final da festa, que terminou com um tango, muito adequado aos objetivos de Dirceu.
    Mercedes era uma jovem da localidade onde se realizava a referida festa. Filha de pais humildes, honestos e de respeito, bem como seus irmãos. Ela, jovem como Dirceu, talvez da esma idade dele, cabelo liso aloirado, curtinho e sempre muito bem penteado. A sua tez era bastante branca, o corpo bem proporcionado para a idade adulta que ela tinha.
    Naquele dia, Dirceu disse a Mercedes que gostava de estar com ela no final de semana seguinte, para os dois conversarem sobre assuntos, que talvez lhe pudessem interessar e, desde logo foi marcado o encontro para o sábado seguinte, pelas três horas da tarde, junto à praia, do lado sul desta, onde havia uma parte do paredão, com várias escadas e pouco frequentada. 
    Na data previamente aprazada, os dois jovens encontram-se no local e hora combinados, cumprimentando-se com um beijo no rosto. Primeiro deram um pequeno passeio a pé, para se inteirarem do ambiente circundante ao local para onde iam conversar, e de seguida para lá se dirigiram, sentando-se ambos num degrau de acesso à praia, bem encostados ao muro, do lado norte, para ficarem protegidos dos olhares indiscretos, e também do vento norte, sempre muito forte.
    Dirceu, como lhe competia, já que foi ele a convidar a jovem “loira”, começou por perguntar-lhe como tinha decorrido a semana, se estava tudo bem com os pais e os irmãos. Mercedes disse-lhe que nada de anormal tinha decorrido, aliás, o trabalho dela era, precisamente, cuidar dos pais e dos irmãos, porque a mãe era bastante doente, o pai também já tinha dificuldades em trabalhar como motorista de camião, e os irmãos também estavam ocupados: um já trabalhava num banco e só vinha a casa dos pais ao fim de semana; os outros ainda frequentavam  a escola.
    Dirceu também a informou que durante a semana que passou em Lisboa, no quartel militar, tudo resultou dentro da normalidade, sem quaisquer situações, que o tivessem impedido de passar mais um final de semana, fora da unidade militar. Entretanto, Mercedes perguntou ao jovem Dirceu o seguinte: «Gostaste de dançar comigo na semana passada?»; «Porque e para que me convidaste para estar hoje, aqui contigo?»; »Não sei se sabes, mas os meus pais, e até o meu irmão mais velho, não gostam que eu saia de casa, quando não há nada a fazer na rua, e muito menos aos domingos, mas olha que eu também não sei!». 
    Dirceu, de início ficou um pouco embaraçado, mas rapidamente se recuperou e respondeu às perguntas de Mercedes: «Claro que adorei bailar contigo, e logo vi que acertávamos muito bem nas danças, independentemente, do estilo que fosse»; Convidei-te para estares aqui comigo hoje, porque algo de estranho se passou no meu coração, depois que estivemos  nos braços um do outro, enquanto dançávamos – o calor do teu rosto, a flexibilidade do teu corpo, o perfume inebriante que usavas, creio que um toque de jasmim e a doçura da tua voz – foram o suficiente para eu sentir que tu poderias ser a minha namorada, mesmo que em segredo, sem os teus pais e irmãos saberem».
    Mercedes, momentaneamente, ficou sem palavras, quase como que “petrificada”, parecia assustada, intranquila e, olhando para vários locais, inclusive para o horizonte que se estendia, para lá do mar infinito, conseguiu, finalmente, perguntar a Dirceu: «Eu sei que nos conhecemos há bastante tempo, que frequentamos a escola juntos, que és amigo dos meus irmãos, mas nunca pensei que alguma vez pudesses vir a gostar de mim, porque nunca descortinei qualquer sinal nesse sentido!»
    O jovem, de início, ficou muito triste, e isso foi visível aos olhos de Mercedes, todavia acabou por ganhar “coragem” para lhe dizer: «Eu  já sabia que os teus pais, não gostam que tu venhas para a rua e que vás para os bailes, por isso tive receio, quando te pedi para dançares, que me desses uma “nega”, e como tal não aconteceu, e depois de termos dançado tantas vezes, praticamente só dançaste comigo, eu fiquei muito animado para te pedir este encontro, e mais feliz fiquei quando aceitaste»
    De repente, a situação alterou-se substancialmente. Mercedes virou-se de frente para o jovem e, olhos nos olhos, logo ali lhe disse: «Dirceu, eu nunca tive, nem tenho namorado, mas confesso que desde os tempos de escola, tu eras o rapaz de quem eu mais gostava, apesar de ainda sermos crianças. Hoje somos adultos, de maior idade, e ninguém terá o direito de impedir que eu possa vir a ser feliz. Eu, já antes de termos estado a dançar, amava-te em silêncio e em sofrimento, por isso, finalmente, posso dizer-te que hoje é o dia mais feliz da minha vida».
    Dirceu não cabia em si de felicidade e, ternamente, abraçou-a, dizendo-lhe ao ouvido: «Minha querida Mercedes, hoje fizeste de mim o homem mais feliz do mundo», depois deste carinhoso abraço, os dois jovens voltaram a abraçar-se com grande intensidade, quais tábuas de salvação, porque, finalmente, o que ambos sentiam, e sofriam em silêncio, estava ultrapassado. De ora em diante, a vida era deles, porque o amor vence todos as barreiras. Pensavam eles que assim seria no futuro!
    Os dois jovens por ali continuaram, e combinaram dar um pequeno passeio pelos arredores da praia, agora de mãos dadas, com beijinhos no rosto, “roubados”, ela corando várias vezes, ele, delicadamente, continuando a acariciá-la, sussurrando-lhe ao ouvido, palavras de amor, recebendo de Mercedes idênticos gestos de amor e gratidão, segundo ela lhe confessava.
    Volvido algum tempo, não muito, voltaram ao mesmo local, propício a concluírem o primeiro dia de namoro. Ela deveria estar em casa por volta das sete horas da tarde e assim iria acontecer, e embora já faltasse pouco tempo, ainda houve um pequeno período, suficiente  para que ambos voltassem a abraçar-se, com muita força e, já ofegantes, descontrolados pelo fogo do amor que lhes queimava o coração, não mediram quaisquer eventuais consequências futuras e, o primeiro, longo, muito longo, beijo surgiu: os lábios de ambos, tumefactos, escaldantes abriram-se para as línguas lisas, quentes e escorregadias dos dois jovens, se cruzarem vezes sem conta. Os rostos de ambos, revelavam bem o que acabava de acontecer: quentes, corados e sorridentes.
    Depois deste primeiro encontro, inesperadamente tão romântico, os dois jovens escreviam-se uma vez por semana. Quando Dirceu vinha passar o final de semana, os dois namorados encontravam-se, agora em locais diferentes, porém sempre muito discretos. Num desses encontros, Dirceu olhava para a camisola branca que Mercedes vestia, assim como para a saia preta, relativamente curta. 
    Ela reparou nos olhares dele e perguntou-lhe: «Gostas de me ver assim?» Ele, naturalmente, que lhe respondeu afirmativamente e acrescentou: «Tens um decote muito bem feito e pronunciado e consigo ver um pouquinho dos teus peitos, pena não me deixares sentir a pele dos mesmos. Também gosto imenso dessa saia preta que hoje usas, e que deixa adivinhar algo de muito precioso!». Mercedes respondeu-lhe o seguinte: «Hoje já é tarde para veres melhor o que tenho e para um dia te mostrar e oferecer. Prometo-te que assim farei. Perdoa-me, mas temos de ter paciência, e esperar o momento certo».
    O par de namorados regressou até próximo da casa de Mercedes, ainda conseguiram trocar um beijo de fugida e cada um caminhou para sua casa, até ao próximo encontro que, segundo o que ambos desejavam, seria o mais breve possível, tão depressa quanto mais rápido, Dirceu viesse de fim de semana.
    Na semana seguinte, Dirceu não pode vir passar o final de semana à sua terra e encontrar-se com Mercedes. Escreveu-lhe a carta semanal como era costume e explicou-lhe os motivos pelos quais nessa semana não iria à terra. Na “volta de correio”, um envelope branco com “corações vermelhos”, é entregue a Dirceu, que, recolhendo-se ao seu quarto, imediatamente o abriu. Dentro, uma carta “perfumada”, com algumas “linhas”, escritas por Mercedes, contendo a seguinte informação: 
    «Meu querido Dirceu. Espero que estejas bem. Eu estou completamente desfeita, meu coração chora e as lágrimas dos meus olhos são aos milhares. Meus pais souberam que nós os dois estávamos a namorar, pois fomos vistos por alguém, quando nos abraçávamos, e logo lhes foram dizer. Meu pai queria, inclusivamente, bater-me, mas minha mãe e meus irmãos não deixaram. Meu pai avisou-me que se eu continuasse com o namoro, me punha fora de casa, e que até me deserdava de alguns bens que possuíam. De seguida, mandou-me ir  para o meu quarto, e a minha mãe, às escondidas, levou-me alguma coisa para comer. Eu amo-te meu amor, e assim vou continuar até ao fim dos meus dias, mas, por favor, entende-me, perdoa-me e continua a amar-me como eu te amo a ti. Beija esta carta como me beijavas a mim. Até sempre querido da minha alma. Mercedes».

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

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