O sofrimento de um jovem apaixonado - Diamantino Bártolo

     
    Aurora era uma jovem trabalhadora doméstica, por conta de outrem. Todos os verões, ela e os seus patrões, rumavam às belas praias do norte de Portugal, pelo mês de agosto, para uma localidade muito procurada, justamente pela tranquilidade da aldeia, e pela qualidade da praia que, embora de águas frias, não tinha qualquer tipo de poluição, mas, pelo contrário, areias brancas e asseadas, de resto, a praia era limpa todos os dias logo pela manhã, antes dos veraneantes chegarem com as famílias, amigos ou simples conhecidos.
    A jovem, com vinte anos de idade, muito linda, fisicamente bem constituída, semblante, normalmente, austero, possuía cabelo comprido, por vezes enrolado e preso abaixo da nuca, como se fosse um “rabinho de cavalo” curto, que a tornava extremamente interessante, embora o seu “futuro” namorado preferisse que ela usasse sempre cabelo comprido, a cobrir-lhe os ombros, mas isso não constituía qualquer problema, ou dificuldade, que o amor não ultrapassa-se rapidamente.
    Bruno, igualmente jovem, com vinte e três anos de idade, residia justamente na localidade, para onde Aurora vinha todos os anos com os seus patrões, pelo mês de agosto. O moço, à época, já estava a cumprir o serviço militar, voluntariamente, na Armada Portuguesa e, quando vinha à terra, com fins de semana prolongados, ou em férias anuais, trabalhava na construção civil, com a profissão de trolha de primeira classe e, nessa qualidade, já tinha responsabilidades, juntamente com a restante equipa, na construção de habitações, e outro tipo de trabalhos semelhantes.
    Depois de concluído o seu horário de trabalho, e no referido mês, sempre procurava Aurora, próximo da casa alugada pelos seus patrões, e onde ela estava a trabalhar, porque estes não queriam que ela ocupasse o tempo, com  namoricos, porque não era para isso que eles diziam pagar-lhe, daí a dificuldade para, durante a semana ambos se encontrarem, o que, apesar de tudo, iam conseguindo conversar sobre assuntos banais, muito embora, ambos sentissem muita empatia um pelo outro.
    No primeiro domingo de agosto, em que foi possível Aurora e Bruno passarem a tarde juntos, os dois jovens continuaram as conversas do costume, cada um querendo saber exatamente o que o outro fazia. Eles marcavam a hora e local de encontro, para durante a tarde aprofundarem certas situações: por exemplo, Bruno queria muito saber se Aurora tinha namorado e ela mesma lhe colocava idêntica questão. À data, e segundo a “palavra” de cada um, estavam livres de quaisquer compromissos dessa natureza
    No segundo domingo daquele mês de agosto, Bruno pediu a Aurora para darem um passeio até ao pinhal, que ficava muito próximo. Ela aceitou o convite, e caminharam por uma estrada secundária, habitualmente, sem circulação automóvel, embora pudesse suceder que os patrões da jovem, viajassem de carro por tal estradada e, se isso acontecesse, os dois jovens não estariam seguros, e Aurora, certamente, seria repreendida, quando chegasse a casa.
    No penúltimo domingo de agosto, e como de costume, Aurora e Bruno voltam a sair juntos. Desta vez iniciaram o diálogo abordando assuntos que ultrapassavam as banais conversas. Entretanto, eles caminharam para o mesmo local de sempre, mas Bruno sabia que no pinhal havia uma pequenina capela,  e no exterior um pequeno telhado que cobria um banco corrido em madeira, que servia para três ou quatro pessoas se sentarem, e descansarem, depois de orarem, o tempo que fosse necessário. Os dois jovens encaminharam-se para esse local, bem abrigado e discreto, sem que Aurora revelasse qualquer atitude de rejeição.
    Chegados junto da capela, Bruno ajoelhou-se e, olhando para o seu interior, murmurou algumas palavras, levantando-se de seguida. Aurora ficou muito emocionada com esta atitude, e perguntou-lhe o objetivo daquele gesto. Igualmente comovido, o jovem disse-lhe o seguinte: «Estive a pedir a Deus para conseguir o teu amor, porque eu estou muito perturbado com a paixão que sinto por ti, mas ainda não tive coragem para te confessar este meu sentimento, tão lindo e que ao mesmo tempo, tanto me faz sofrer».
    Aurora parecia ter ficado sem “ação”: pois não estaria à espera de uma declaração de amor, tão veemente quanto sincera; num local tão maravilhoso, quanto respeitável, ademais, precedida de uma oração do jovem Bruno. Decorrido algum tempo, talvez dois ou três minutos, ela aproxima-se do jovem e, olhando-o profundamente nos olhos, agarra-lhe as mãos e puxando para junto do peito, disse-lhe: «Eu já suspeitava que tu estivesses apaixonado por mim. O meu encanto por ti é, igualmente, verdadeiro, por isso, se for do teu agrado, de hoje em diante, seremos namorados de verdade»
    Aquela tarde, ficaria para sempre na memória de Aurora, e, certamente, Bruno jamais olvidaria aquele maravilhoso domingo de agosto. Durante a semana que se seguiu, os dois jovens, às escondidas dos patrões de Aurora, ainda tiveram algumas conversas, muito rápidas, nomeadamente quando a jovem tinha de fazer alguma tarefa no exterior depois de Bruno terminar o seu trabalho, por volta das dezoito horas. Ela tinha o cuidado de o avisar, que no dia seguinte, seria provável que tivesse de ir à mercearia, ou a outro estabelecimento qualquer, e o faria ao final da tarde.
    No último sábado de agosto, porque no domingo de manhã, ela partiria com os seus patrões para a cidade onde trabalhavam, ela teria a sua folga na tarde de sábado, informando esta situação a Bruno. Eram duas horas da tarde quando os dois namorados saíram e, chegados à estrada habitual, ela agarrou a mão dele e assim caminharam, de mãos dadas e muito apertadas, até à capelinha, onde tinham declarado os amores um pelo outro.
    Bruno voltou a ajoelhar-se, e proferindo algumas palavras, levantou-se e dirigiu-se a Aurora para lhe dizer o seguinte: «Acabei de agradecer a Deus o Amor que tens por mim e pedir-lhe que esse amor seja eterno!». Depois desta informação, deu-lhe um beijo na testa, como sinal de respeito e agradecimento. Ela ficou muito corada, todo o corpo da jovem tremia como uma “frágil” vara ao vento. Bruno, esse, estava radiante, embora muito preocupado, porque não sabia como Aurora interpretaria aquele primeiro beijo, que ele, após alguma reflexão, entendeu dizer-lhe que aquele beijo de respeito e carinho, significava a gratidão, que lhe queria demonstrar por ela também o amar. 
    Depois desta primeira relação afetuosa, sentaram-se no banco da capelinha, e começaram a conversar mais animadamente, os projetos para o futuro passaram a ser tema dominante: as promessas de “amor para sempre” sucediam-se; os afagos entre eles aumentavam de intensidade; os impulsos para um contacto mais íntimo eram cada vez mais evidentes; em determinada altura, os rostos dos dois jovens encostaram-se e, desta vez, o primeiro beijo, mais ousado, mais íntimo, aconteceu. 
    Os lábios de Aurora, vermelhos como cerejas maduras, ligeiramente húmidos, tremiam, a boca de Bruno aproximava-se, “perigosamente” daqueles lábios bem desenhados, até que o desejável pelos dois, aconteceu. Os jovens beijaram-se com grande vigor, a respiração já começava a faltar e, lentamente, as bocas afastaram-se ligeiramente, por alguns segundos, para, de seguida, acontecer um novo e prolongado beijo, agora com o toque mais sensual dos lábios, seguido do encontro das línguas, ardentes, húmidas e rijas, um autêntico vulcão em erupção. Beijos que jamais esqueceriam nas suas vidas. 
    Aurora e Bruno, antes de se despedirem, continuaram com carícias cada vez mais íntimas até que, o jovem, totalmente arrebatado, pediu a Aurora para o deixar afagar o peito volumoso e rígido, porque era o máximo que naquele momento, e local, poderia acontecer entre os dois. Surpreendentemente, Aurora, com um sorriso malicioso, pegou na mão direita do seu namorado e levou-a até ao peito, bem no interior, por baixo do sutiã, no qual o jovem teve a felicidade de acariciar os dois “outeiros”, em toda a sua dimensão e firmeza, enquanto ela lhe ia dizendo que estava a gostar das carícias, mas  que deveriam terminar e regressar a casa. Bruno compreendeu muito bem e aceitou, sem reservas, o pedido de Aurora, retirando lentamente a mão dos peitos dela.
    Depois desta tarde, de tantas e tão deliciosas surpresas, os dois jovens encaminharam-se para casa dos patrões de Aurora, comprometendo-se a, pelo menos, escreverem uma carta por semana. Bruno deu-lhe o endereço correto, enquanto Aurora lhe indicou uma morada de uma amiga, para onde ele deveria enviar as suas cartas. A poucas dezenas de metros, da casa para onde se deveria dirigir Aurora, os dois namorados ainda conseguiram, num local bem recatado, trocarem os últimos beijos, cada vez mais apaixonados e sensuais.
    Depois deste encontro amoroso com Aurora, Bruno continuou na sua vida normal. Entretanto, surgiu uma oportunidade para Bruno poder cumprir o serviço militar na Armada Portuguesa, pelo que se apresentou às respetivas inspeções, tendo ficado apurado e, em abril do ano seguinte, foi incorporado numa unidade militar, onde cumpriu o recrutamento. Depois submeteu-se a provas para a especialidade, tendo sido selecionado para o curso de comunicações, que funcionava próximo de Lisboa.
    As cartas entre os dois enamorados, continuavam com regularidade, as juras de amor de ambos os jovens, eram cada vez mais reforçadas. Bruno passou a ter a possibilidade de vir passar os fins-de-semana à sua terra e, em algumas destas saídas, combinava com Aurora para se encontrarem numa cidade diferente, daquela onde a jovem trabalhava e, por essa época, ela tinha conseguido um novo emprego, agora num estabelecimento de eletrodomésticos, na qualidade de gerente de clientes, ficando com os fins de semana livres. Tudo estava mais fácil para os dois.
Numa dessas vindas de Bruno, ao final de semana, os dois namorados encontraram-se numa cidade próxima, e num local muito romântico, no qual existia um lindo lago, com barcos de aluguer. De mãos dadas, os dois namorados, caminharam para o lago e alugaram, pelo período de uma hora, um desses belos barcos a remos. Bruno remava e conduzia a embarcação, com Aurora sentada a seu lado, trocando beijos de amor, com muita regularidade, ao que era correspondida de imediato.
    Entretanto, Bruno, parou de remar, fundeou o barco com a respetiva âncora e abraçou Aurora. Beijou-a intensa e apaixonadamente e, metendo a mão ao bolso, retirou uma caixinha, de cor azul e rosa, em veludo. Abriu-a e disse a Aurora: «Escolha a tua». A jovem, começou a corar, depois iniciou um choro muito convulsivo e, olhando carinhosamente para Bruno, disse—lhe: «Estás a pedir-me em casamento?». Ele respondeu-lhe: «Sim, estou. Se aceitares ser, a partir de agora, a minha noiva, aqui está o nosso compromisso». Ela aceitou, e cada um colocou a aliança de ouro, sextavada, no dedo anelar da mão direita do outro. Selaram este ato, com um longo e sensual beijo na boca. 
    Depois desta tarde inesquecível, abandonaram o lago e caminharam para os locais de embarque, sempre mãos dadas, acariciando as alianças: Bruno dirigiu-se para a estação do caminho de ferro; Aurora para o terminal de camionagem. As cartas entre os dois continuavam e continham, invariavelmente, as mesmas promessas de amor, os projetos a dois para o futuro, enfim, tudo parecia caminhar no melhor sentido da vida, e por ambos desejado.
    Entretanto, um imprevisto surge a dificultar a realização dos projetos dos dois jovens: Bruno é mobilizado para uma comissão militar, numa das ex-colónias portuguesas, não lhe sendo concedido tempo para se despedir dos pais e da namorada e, a catorze e agosto de mil novecentos e sessenta e nove, embarca num navio mercante, para a então colónia portuguesa de Angola. A dez de setembro apresenta-se no comando da unidade militar, onde ria permanecer durante três anos.
    A correspondência entre Aurora e Bruno começava a escassear. O jovem militar, a milhares de quilómetros de distância dos pais e da namorada, começava a ficar preocupado e, as suas angústias, vieram a confirmar-se quando os pais dele, numa das cartas que lhe escreveram, o informaram que tinham recebido uma aliança dentro de uma pequena caixa, enviada pelo correio, por Aurora.
Bruno recebeu a notícia dos pais e, de imediato escreveu a Aurora, para lhe perguntar o que se tinha passado, para devolver a aliança que, com tanto amor, lhe tinha oferecido, e ela aceite. Afinal estavam noivos e teria de haver algum motivo muito forte, para este procedimento por parte dela, porque tinham feito tantas e tão sinceras juras de amor, que não se entendia o porquê da nova situação. Aurora já não amava Bruno? Ter-se-á apaixonado por outra pessoa?
    Decorrido cerca de um mês chegou a resposta de Aurora, informando Bruno o seguinte: «Sabes que te amei muito, mesmo muito, que tivemos momentos de intensa felicidade e de profunda intimidade. Usei a aliança que me ofereceste, todavia, alguém se veio aproximando de mim, esclarecendo-me que, estando tu em zona de guerra, poderias não mais voltar, ou então seres ferido e ficares inválido, ou ainda, encontrares outra pessoa que procurasse substituir-me e tu viesses a ceder. Pesei todas as possibilidades e entendi que o melhor seria terminarmos o nosso noivado, ficarmos bons e eternos amigos. Tenta compreender, o meu lado, por favor. Tu encontrarás outra pessoa que te fará esquecer de mim e eu terei de fazer o mesmo, embora saiba que nunca mais vais sair do meu coração, qualquer que seja o meu futuro. Peço a Deus que me perdoes, que te proteja de todos os males, que te possam acontecer nessa guerra onde estás. Adeus meu primeiro e, para já, meu único e grande amor.»
    No dia em que Bruno recebeu a carta fatal, foi como se o mundo desabasse sobre si. Pediu ao seu comandante que o dispensasse do serviço por um dia, pois não se sentia bem. Foi-lhe satisfeito o seu pedido, e o jovem recolheu ao seu quarto, onde chorou a perda de Aurora, que tanto amava. Por outro lado, ficou revoltado, porque desconfiou que ela já tinha encontrado outra pessoa, para o substituir.
    A partir desta data, o jovem militar, retomou a sua vida normal, tentando tirar do seu coração a mulher que tanto tinha amado, e que agora, por força de uma circunstância que não era da responsabilidade dele, o abandona à sua sorte, porque nada, nem ninguém, lhe poderia garantir que ele não voltasse são, salvo e livre.
    Mas a vida continuou, a Providência Divina encarregou-se de colocar no “caminho” de Bruno outra pessoa, uma encantadora jovem, muito nova, mas a mais bela mulher que jamais o jovem militar tinha visto na sua vida. A jovem, que Deus lhe apresentou como prémio, pelo sofrimento anterior, residia junto da cidade africana, onde Bruno cumpria a sua missão militar. 
    Bruno logo tentou saber onde esta maravilhosa jovem residia, e logo que soube, acompanhado de um colega, que conhecia a família dela, foi até à fazenda onde residia Assunção, assim se chamava esta beldade, então, com dezassete anos, mais nova cerca de seis anos do que Bruno. Logo ali, no primeiro encontro, e apesar de não estarem sós, alguns olhares furtuitos foram trocados e, uma empatia simultânea surgiu entre os dois. Bruno, tudo fez para conquistar a confiança, o coração e o amor desta incrível jovem, objetivo que conseguiu e que viria a resultar em matrimónio. É caso para se dizer que: “Deus sempre escreve direito por linha tortas”.


Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

site@nalap.org

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