A laranja feia- Ada Abaé

 

— Que bom! — exclamou Neche— Um pedaço de terra saudável! A esperança após uma longa viagem!

Sentou-se nas ervas orvalhadas e colheu uma laranja. Enquanto saboreava o refrescante fruto, reparou nos perfeitos sulcos feitos pela pá de algum arado. Imaginou o duplo prazer do camponês a trabalhar o solo enquanto as elegantes laranjeiras o protegiam do calor do sol.

Quando se dispunha a degustar a segunda laranja, escutou um som familiar.

— Água? — interrogou-se.

 Pensou em correr, mas dominou a pressa da curiosidade. Silencioso como um índio, que tenta surpreender e não ser surpreendido, avançou sobre a terra macia. Maravilhou-se com o pequeno paraíso que se abria diante dos seus olhos. Vários choupos, salgueiros e arbustos nutriam-se na abundância de um rio. Usufruindo da opulência natural, numa pacífica partilha, resplandecia um esplendoroso jardim. Invadindo pela revigorante explosão de perfumes, explorou a beleza de cada espécie das flores que numa dança suave, lhe davam as boas-vindas.

— Quanto amor deve ter a pessoa que cuida de tudo isto! — pensou.

Um soluço interrompeu o momento de êxtase.  

— Alguém que chora? - murmurou, tentando encontrar o dono do soluço.

Analisou o terreno e encontrou a marca de uma lágrima! Uma lágrima de quem? Assustou-se. Uma gota morna caiu sobre a sua mão. Olhou para cima.

— Ah! – exclamou — não sabia que as laranjas choravam. Por que choras?

— Sou muito feia. Ninguém me quer e morrerei seca na terra, enquanto tanta gente sofre com fome.

— Rejeitam-te?

— Não tenho a medida e a forma certa para ser exibida na montra de uma loja. Vês esta parte? — perguntou a laranja, rodando um pouco — esta parte deveria ser tão redonda e vistosa quanto o resto do meu corpo.

— Ah, não sabia que a fruta também estava sujeita a um padrão de beleza. Onde está o dono desta propriedade?

— Partiu para outro país na esperança de recuperar o que perdeu aqui. Com a laranja na mão entrou na casa abandonada. Tudo arrumado e aparentemente perfeito. Como se o dono chegasse a qualquer hora. Ligou a televisão. Recuou uns passos; corpos esqueléticos de crianças morrendo de fome, barrigas enormes escravizando pernas sem energia... imagens que sujavam o écran, alteravam-lhe os pensamentos e que por sua vez magoavam a sua sensibilidade de humano ainda crente na sua espécie. Sentiu o desequilíbrio da natureza humana desumanizando toda aquela equilibrada beleza natural do local que parecia um paraíso. O menino começava a entender o mundo em que vivia.

 

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