E o vento me diz... - ALBERTINO GALVÃO

 


Pergunto p’lo tempo dos sonhos azuis,
Com fadas, princesas, amores pueris...
P’lo tempo do bibe, da escola, da ardósia,
Do quadro e do giz...
Mas soprando, o vento, com gozo, me diz
Já passou, já passou!

Pergunto p’lo tempo da fisga no bolso
À caça da rola e siripipi...
Dos “dérbis” de rua com bolas de trapos...
Do jogo ao berlinde e corridas com arcos
Das “guerras” com pedras, chifutas de grampos...
Dos "chapões", em grupo, felizes e nus
Na água barrenta do rio cavaco
Mas soprando, o vento, com gozo, me diz
Já passou, já passou!

Pergunto p’lo tempo... por todo esse tempo
Do cheiro dos mangues e da cana queimada...
Dos saltos nos charcos que a chuva tardia
Deixava no saibro...
Do odor gostoso a sal e maré
Da morena praia que tive e amei...
Mas soprando, o vento, com gozo, me diz
Já passou, já passou!

Pergunto p’lo tempo dos banhos na selha
Do da luz da “mecha” cheirando a petróleo...
P’lo tempo do tempo das grandes acácias
Sombreando as ruas da minha Benguela...
Mas soprando, o vento, com gozo, me diz
Já passou, já passou!

Pergunto p'lo tempo da "fome" de ter
O carro de corda, a bola, o comboio
Triciclo, pião...
Da ânsia de ter, por querer e não ter
Teu ombro, teu colo onde o choro calar...
A ânsia de ter, por querer e não ter,
Os beijos, abraços, amor, proteção
De ti minha mãe
E, o vento, então...

Mais frio, mas brando, afaga-me o rosto
E nada me diz!

Pergunto p’lo tempo... p’lo tempo de ti
Meu primeiro amor...
P’lo tempo das fugas nas tardes morenas
De mão dada, os dois...
P'lo tempo dos beijos... do sexo apressado
Os dois enrolados, no meio do mato,
Em chão de capim...

Pergunto p’lo tempo, por todo esse tempo
Que palpita em mim...
E o vento me diz
É pá, é assim...
Já passou, já passou!...
O tempo que resta, meu velho, meu kamba
É tempo saudade!
Saudade que tens dos tempos de um tempo
Entranhado em ti!


Comentários

Anónimo disse…
Uma das maravilhas do poeta meu amigo pessoal, Albertino Galvão.
Joaquim Sustelo