Morrer por amor - Diamantino Bártolo

   

 Naquele mês de agosto, a praia formosa do norte de Portugal, onde a areia branca e fina se conjugava com uma zona rochosa, própria para atividades piscatórias, era muito frequentada por pesadores à cana. Daniel também era um desses amantes deste desporto tranquilizante, que visitava o local, sempre que tinha algum tempo livre, principalmente ao fim-de-semana. Ele gostava de pescar nas rochas, porque o peixe era de melhor qualidade, bastante saboroso e com muito iodo.

    Odete, jovem de dezassete anos, residia a poucas centenas de metros da casa de Daniel, e encontravam-se muitas vezes no mesmo local. Era uma jovem linda, ruiva, olhos azuis e muito atraente. Tinha uma conversa muito sincera, bem estruturada. Daniel sabia que Odete habitava ali próximo do local, onde ele estava a pescar, por isso esperou a melhor ocasião para conversar com Odete, pois sentia por esta moça algo de inexplicável.

     Esse dia chegou, mais rápido do que ele pensava. Num sábado de tarde, em pleno verão, muito quente, embora corresse uma leve aragem de norte, foi nessa zona rochosa, quando Daniel estava a pescar, próximo da casa dela que, tendo-o visto pela janela, veio ter com ele, e depois de o cumprimentar, como de costume, um simples aperto de mão, perguntou-lhe: «Então como vais de pesca Daniel? Não me digas que vieste para próximo da minha casa para me pescares a mim? Olha que eu não sou fácil de morder o anzol, mesmo que o isco seja bom!»

    Daniel ficou surpreendido, mas alegremente desconfiado, não só com a presença de Odete, como também pela interpelação dela, e arriscou responder-lhe: «Olha minha amiga, hoje deu-me para ocupar o tempo com a pesca. Pescar é um bom remédio para afastar tristezas e amores não correspondidos, mas já estou curado da última “facada que levei no coração”. Acredito em melhores dias e, quem sabe se a tua presença aqui, não será o prenúncio desses dias!»

    A jovem, amiga de Daniel, que vestia uma blusa branca de manga curta, e uma calça de ganga, sorriu de uma forma intrigante. Aproximou-se do seu amigo de sempre, e com uma alegre gargalhada disse-lhe: «Vais encontrar rapidamente a namorada que te fará esquecer o que a outra “desgraçada” te fez. Eu vou ajudar-te, porque sou tua amiga, porque te conheço bem a ti e aos teus pais. És bom rapaz, bonito e muito educado, além de trabalhador. Também sei que tens bons sentimentos, que és verdadeiro, e que algumas moças gostariam de namorar contigo. Fica tranquilo que algo mudará na tua vida. Aguarda com muita esperança, um futuro bem lindo. Podes acreditar em mim, porque eu sei o que estou a dizer»

    Daniel logo tentou interpretar as palavras da sua amiga Odete, mas não se quis precipitar. Olhou para ela, com profunda emoção e, com as lágrimas a quererem sair-lhe dos olhos, disse-lhe: «Quem me dera que tu tivesses razão. Que os teus prognósticos dessem certo, mas, para mim, de ora em diante, só estou interessado numa jovem muito linda, ruiva, praticamente da minha idade e que sei que é muito minha amiga!»

    Perante esta última frase Odete perguntou-lhe: «Como sei que costumas ser autêntico, e se achas que eu posso saber, diz-me então em quem estás a pensar, para tua namorada. Podes abrir-te comigo, porque entre nós nunca houve segredos, sabes que sempre fomos muito amigos, de verdade» Daniel, encheu o peito de ar e, procurando coragem, olhou para Odete, como o náufrago procura uma tábua de salvação e, de uma só “tirada”, respondeu-lhe:

    «Minha querida amiga, como já te disse, o meu coração, graças a Deus, está livre, a minha mente só pensa numa mulher que me ame genuinamente e essa mulher és tu, porque eu sei que não te sou indiferente. Estou a fazer-te uma declaração de amor e a pedir-te para aceitares namorar comigo, a partir de agora. Desculpa se não fui oportuno, mas agora fiquei de bem comigo»

    O rosto de Odete rejubilou de alegria, aproximou-se de Daniel e ofereceu-lhe o rosto corado e resplandecente, ao mesmo tempo que lhe disse: «Prova-me que gostas de mim. Dá-me um beijo na face e depois eu te darei a resposta.» Daniel ficou tão surpreendido que, agora sim, não conteve as lágrimas e, aproximando a sua boca da face de Odete, deu-lhe três beijos: primeiro na testa, em sinal de respeito; depois nas duas faces, ao mesmo tempo que tremia como varas verdes, perante um vendaval.

    A jovem Odete, ali mesmo, próximo de sua casa, na zona rochosa da praia, agarrou-se ao pescoço de Daniel e disse-lhe: «Eu sabia que eras um rapaz de respeito, como tinha conhecimento, desde há muito tempo, que eu também não te era indiferente. Eu desde os tempos de escola que gosto de ti, mas tu nunca reparaste verdadeiramente em mim, contudo, não penses que estou zangada contigo, por causa disso. Mais cedo ou mais tarde, eu haveria de conquistar o teu coração, como tu acabas agora de ganhar o meu. Sim, Daniel, posso dizer-te que te amo verdadeiramente, que a nossa amizade, pelo menos da minha parte, já era amor. Aceito sim, com muita alegria e emoção, ser tua namorada e, simultaneamente, dava-lhe dois beijos nas faces». Daniel não se fez esperar e retribui-lhe o carinho, na mesma “moeda”.

    Finalmente, o jovem Daniel voltava a encontrar a felicidade e, acreditava ele, que desta vez, seria de verdade, porque nesta bem-querença, residia um “amor escondido”, justamente, no peito de Odete, provavelmente, aguardando uma oportunidade para ambos conversarem sobre os seus sentimentos. Esse dia chegou, depois dos insucessos de Daniel, do seu sofrimento, das traições de que foi vítima, por isso, Odete, se preocupava muito com ele. Ela queria fazer parte da cura de Daniel, e era por isso mesmo que ela o amava em segredo, acreditando que um dia, ambos seriam felizes.

    Este jovem, ainda tão novo, e tendo sofrido tanto por amor, não cabia em si de contente. O rosto encheu-se de uma luminosidade que parecia um “manto espiritual de luz”. Pegou na cana de pesca, depois de colher a linha, sem qualquer peixe. Mas que importava isso, perante o “milagre” a que acabava de assistir, assim considerava ele.

    Dirigiu-se a Odete, muito emocionado e, simultaneamente, como que envergonhado do seu passado de sofrimento, pelas traições de que tinha sido vítima, perguntou a Odete: «Deixas-me tratar-te por minha querida namorada?» Ela respondeu-lhe: «Não. Eu prefiro que me trates por “meu querido amor”».

    A tarde aproximava-se do fim. O pôr-do-sol seguia o seu curso normal para horizonte, com aquele tom cada vez mais avermelhado. Odete olhava, fixamente, para tal esplendor de fim de dia. A tarde desse dia inesquecível, trouxe-lhe o presente que ela tanto desejava, há muito tempo: Daniel, pensava ela: “o meu Daniel. Agora sim, sou uma jovem feliz, porque encontrei o amor da minha vida”. Ficou assim: “estática, olhos profundos, olhando o horizonte belo à sua frente, tão estético quanto lindo era o seu Daniel” Este momento de êxtase terminaria, e Odete voltou à realidade, para responder àquele que já considerava seu namorado.

    «Daniel, já te disse que te amo e não é de agora? Fico muito feliz por me tratares por “querida”, e ainda mais felicíssima me sentirei, se me tratares por “meu querido amor”. Daniel, coloca uma pedra em cima desse passado de sofrimento que tiveste. Estou aqui para te fazer feliz, para sermos felizes, com todas as responsabilidades que isso nos possa trazer. Nós amamo-nos, e nada nem ninguém nos vai impedir de desfrutarmos deste formoso e puro amor.»

    O jovem Daniel ficou aturdido, com tão explicita declaração de amor, aliás, já nessa tarde, Odete lhe tinha dado indicações bem claras, que o queria para namorado, porque desde há muito tempo, que o amava em segredo. Era apenas uma questão de oportunidade. O anoitecer, vindo do lado oriental para o mar, estava aí. Mesmo assim, bem dentro do crepúsculo, Odete agarrou Daniel pelos braços, a que ele correspondeu imediatamente e, encostaram seus corpos, para se despedirem naquele dia com um forte abraço e, dois beijos na face de cada um, ao mesmo tempo que sussurravam ao ouvido um do outro: «Amo-te, para sempre, meu bem».

A partir daquele dia, Odete e Daniel, tudo faziam para se encontrarem, ao fim da tarde, depois do jovem terminar o trabalho. Ela dedicava-se aos trabalhos domésticos, ajudando os pais e os dois irmãos, que viviam todos na mesma casa, junto ao mar. Gente muito boa, simples e educada, trabalhadora e honesta. Eram os princípios e valores que Daniel muito apreciava nas pessoas em geral, e nas famílias em particular, sabendo, de antemão, que os progenitores e irmãos de Odete, também o viam como um jovem bom, e que seria a pessoa ideal para fazer parte, no futuro, da família de Odete.

    No sábado seguinte ao encontro memorável, o casal de namorados volta a encontrar-se. Desta vez junto ao paredão da praia. Odete tinha informado os pais e os irmãos que Daniel lhe tinha pedido namoro, e ela tinha aceitado. Não houve quaisquer objeções, por isso estavam à vontade. Um dos irmãos de Odete, ainda passou por eles e, dirigindo-se a Daniel, disse-lhe: «Daniel, cuida bem da minha irmã, porque ela gosta muito de ti e é muito generosa, mas ingénua».

    O jovem respondeu-lhe o seguinte: «João, ninguém mais neste mundo, para além da família da tua irmã, melhor cuidará dela do que eu, até porque ela também me ajudou a suprir certas situações que ultimamente tive de enfrentar, mas não é por isso que eu estou com a tua irmã, mas sim porque a amo loucamente. Fica tranquilo».

    Os dois namorados ficaram sós e, olhando um para o outro, Daniel propôs a Odete para darem um pequeno passeio junto à praia, depois iriam à pastelaria tomar uma bebida e, finalmente, regressariam a casa, por um caminho, uma espécie de jardim público, onde havia muitas e frondosas árvores de sombra, com alguns bancos para as pessoas que por lá passavam, se assim o quisessem, descansarem um pouco.

    Se o pensaram, melhor o fizeram. Ao fim de uns quinhentos metros percorridos, verificaram que não havia mais ninguém por ali. Odete disse a Daniel: «Sabes uma coisa? Já estou um pouquinho cansada. Não te queres sentar comigo, ali naquele banco, à sombra, e resguardados de certos olhares mal-intencionados?» Daniel, não esperou por segunda proposta, e aceitou o convite de Odete: «Sim meu amor, é melhor descansarmos um pouco».

    Chegados ao banco que Odete tinha visto, sentaram-se, lado a lado, mas com os corpos bem encostados entre eles. Odete olhou para Daniel e disse-lhe: «Não imaginas como estou feliz ao teu lado. O meu sonho realizou-se. Nunca pensei que, ainda tão jovem, fosse possível amar um rapaz, também muito jovem, lindo e bom. Não podemos desperdiçar este forte sentimento, não achas?» Daniel concordou em absoluto com a sua namorada, e também ele não desejava, de modo algum, perder um amor tão lindo e puro, como o que ambos sentiam um pelo outro.

    Continuaram no local por mais de hora e meia, conversando e, começando a trocar carinhos, afagos e beijos, primeiro na face e, maliciosamente, aproximando os lábios do canto da boca de ambos, até se encontrarem os lábios: inicialmente, com brandura, tal como um “selinho”, “um passarinho a esvoaçar”; depois, com mais energia, com pequenas “mordeduras” e, finalmente, introduzindo o beijo na boca um do outro.

Odete estava maravilhada, nunca tinha sido beijada e, ingenuamente, não via mal nenhum nestes beijos, aliás, nem podia haver, porque Daniel fazia questão em não magoar a sua namorada: nem com palavras, gestos ou atitudes que ela não gostasse. Ali continuaram por mais algum tempo.

    Depois deste primeiro “assalto amoroso”, Odete estava luminosa, seus olhos eram dois faróis, que tudo aclaravam ao seu redor, seu rosto aveludado, resplandecia de felicidade, aliás toda ela era encanto, até na roupa que vestia, naquele dia: camisola de manga curta, verde-claro, decotada quanto baste, saia preta plissada, por cima do joelho. Daniel, igualmente feliz, usava camisa branca, também de manga curta e calça de ganga.

    Ele nunca tinha tido uma namorada tão carinhosa, tão sensível e, simultaneamente, confiante, porque ela sabia muito bem que Daniel não a corromperia, contra sua vontade e de forma “abrutalhada”, por isso, passado o primeiro “embate amoroso”, descansaram um pouco, sempre de mãos dadas.

    Continuaram naquele local tão aprazível, quanto apropriado ao amor. Entretanto, Odete disse a Daniel: «Gostava de repetir as nossas ternuras, os afagos e aquelas carícias tão lindas e sensuais. Tu não gostaste de me beijar, Daniel? Olha, eu adorei e estou à espera da tua iniciativa, porque de contrário, sou eu que faço a próxima “investida amorosa”. Amo-te tanto meu amor, que estou disposta a entregar-me a ti, de corpo e alma!»

    Daniel não poderia sentir-se mais feliz, aliás, nunca em namoros anteriores, teve uma apaixonada como Odete, contudo, antes de iniciarem mais uma troca de carícias, ele disse-lhe o seguinte: «Odete, quem ama respeita e protege a pessoa amada. Eu só farei o que tu, de livre vontade, mais desejares, embora certas relações, não as possamos ter neste local, mas conseguiremos, pelo menos, afagarmo-nos um ao outro.»

    Ditas estas palavras, Odete acariciou Daniel na cara, descendo ao pescoço, metendo a mão por baixo da roupa dele, até chegar junto das partes mais sensuais de Daniel que, imediatamente, sentiu os efeitos, próprios de um jovem, na sua plenitude genital. Por sua vez, Daniel, teve idêntico comportamento com Odete e, depois de a beijar na boca, as suas mãos introduziram-se por baixo da camisola dela, percorreram o corpo sedoso de Odete, começando pelo peito, firme e altaneiro. Daniel continuou a percorrer o corpo sedutor de Odete e, chegando, também, à intimidade da jovem, esta quase desmaiava, tal era a sensação de prazer que estava a sentir.

    Daniel ainda lhe perguntou: «Estás bem meu amor? Vamos parar com estas carícias porque nos podem levar a fazer o que agora não devemos, nem temos condições para tal. Quero levar-te pura para o altar e, como já te disse, “quem ama respeita e protege a pessoa amada”»

    Daniel e Odete, compuseram as roupas, e olhando-se nos olhos, fizeram um sinal para irem embora, todavia, Odete, não conteve o choro, as lágrimas escorriam-lhe pelo rosto, Daniel ficou aflito, beijou-a várias vezes, bebeu as lágrimas da amada e perguntou-lhe: «Que tens meu amor? Magoei-te com alguma palavra, gesto ou atitude? Por favor, não me deixes tão preocupado!».

    Odete, limpou as lágrimas e olhos nos olhos disse a Daniel: «Meu amor querido, não imaginas como estou feliz e ao mesmo tempo preocupada. Não sei como vai ser o nosso futuro. Tenho receio que venha alguma dessas despudoradas que andam por aí, e te leve para maus caminhos e tu me abandones.» Daniel sossegou-a e disse-lhe em poucas palavras: «Já aprendi a lição e tive uma excelente professora, chamada Odete. Fica tranquila.»

    Para Daniel e Odete, foi um dia completamente preenchido de amor, de paixão e de sentimentos fortíssimos, que jamais esqueceriam. Chegaram a casa de Odete. O pai da jovem estava sentado no patamar e ao vê-los, disse com um sorriso “matreiro”: Mas que caras tão alegres vocês têm! Viram o passarinho amarelo não foi?»

    Daniel e Odete, coraram profundamente e foram sinceros, sendo Odete a responder ao pai: «Sim meu pai, estamos muito felizes, temos a certeza de que nos amamos e, quando o pai nos der autorização, pensamos em casar e constituir a nossa nova família.» Daniel também falou: «Senhor António, nós descobrimos que realmente nos amamos profundamente, que respeitaremos a dignidade desta família tão honrada, e que nada faremos que o possa envergonhar. Eu amo a sua filha, foi ela que me arrancou das “garras” de certas pessoas, que tanto mal me estavam a fazer. Devo a minha felicidade à sua filha e à sua família.»

    Um belo dia, Odete convidou Daniel para ir almoçar com ela, os pais e os irmãos, na própria casa da família, junto à praia. Daniel aceitou, tendo avisado os seus pais que nesse domingo, não almoçaria em casa, porque tinha sido convidado por Odete, para tomar essa refeição em casa dela. Quando chegou, Odete esperava-o fora de casa e, logo ali, se cumprimentaram com um prolongado beijo na boca, depois entraram, e Daniel saudou o pai da namorada, deu um beijo na testa à mãe de Odete e dois apertos de mão aos irmãos.

Tomaram uns aperitivos em pé e depois dirigiram-se para a mesa, com muita alegria e respeito. Daniel “marcou mais uns pontos”, perante a família de Odete. A refeição correu bem e os namorados acabaram por ficar sós, porque os irmãos também iam namorar e os pais, como gostavam muito de festas e procissões, saíram para outra localidade, avisando a filha para ela e o Daniel lancharem, porque eles viriam tarde, devido à demora dos festejos.

    Odete e Daniel ficaram sós, em casa dela. Daniel ainda perguntou: «Vamos ficar aqui os dois sozinhos?» ao que ela lhe respondeu: «Sim, amor querido, os meus pais e irmãos confiam em mim e em ti, tu já és da casa, nada receies. Estamos à vontade para repetirmos o que fizemos naquele dia no banco por baixo das árvores. Não queres?»

    Daniel olhou para ela, com espanto e, ao mesmo tempo, feliz, logo lhe retorquiu: «Claro que sim meu amor. E para onde vamos? Queres ir para o mesmo local onde estivemos? Estou pronto.» Resposta imediata de Odete: «Não estás a entender, meu querido. Vamos ficar na minha casa, assim já treinamos como se fossemos uma família. Vem, vamos para o meu quarto, porque estaremos mais à vontade e confortáveis.»

    Entraram para o quarto de Odete, muito bem arrumado, perfumado e com arranjos muito lindos. Cortinados bordados, cor de rosa. Um quadro da família pendurado na parede e uma imagem divina, na cómoda, em frente do leito de jovem.  Sentaram-se na beira da cama. Odete, estava radiante e Daniel não lhe ficava atrás.

    A “sessão” de mimos logo começou, primeiro os beijos, depois os afagos por todo o corpo. A dado momento, Odete tirou a blusa branca, rendada e bem decotada que usava nesse dia. Daniel também despiu a camisa vermelha de manga curta e, olhando para Odete, perguntou-lhe: «Amor da minha vida, o que queres fazer comigo? O que vamos fazer? Não te esqueças que, “quem ama respeita e protege a pessoa amada”, e eu não quero faltar-te ao respeito, apenas farei o que tu mais desejares.»

    Odete, deitou-se na sua própria cama, começou por retirar o sutiã preto que tinha, deixando ver os lindos peitos morenos, firmes e corpulentos; seguidamente retirou a sai que usava até então, e assim ficou esperando o seu amor. Daniel quase desmaiava ao ver aquele corpo trigueiro, cabelo ruivo anelado, olhos azuis e peito a arfar. Ele estava perante uma escultura, idealizada, desenhada e trabalhada por um Ser Divino, só assim se justificava aquele corpo belíssimo.

    Odete, olhou para Daniel e disse-lhe: «Tens vergonha de mim? Faz como eu meu amor, eu também quero ver, sentir e extasiar-me com o teu corpo, que me parece perfeito, fascinante e musculoso. Tira a tua roupa meu adorado Daniel» O jovem, não se fez rogado e, logo ali, ficou como Deus o colocou no mundo. Dirigiu-se a Odete e disse-lhe: «Levanta-te meu amor, porque quero ser eu a levar-te ao colo para a cama, mas tira o resto da roupa.» Antes de pegar na namorada, foi ele que lhe retirou a calcinha, também preta e bordada, com uns pequenos “folhados”, que já deixavam transparecer o que lhe ia por baixo.

    Daniel pega cuidadosamente na sua amada, transporta-a até junto da porta, como se fosse na noite de casamento, e depois é que a leva para a cama. Deitam-se lado a lado e, de seguida, retomam as carícias. Odete tinha um corpo perfeito, tudo muito bem torneado, peitos salientes e rijos, enfim, a mulher que, fisicamente, todo o homem deseja. O inevitável aconteceria. Odete suspirava e, de vez em quando, soltava pequenos gemidos, certamente de prazer. Daniel, muito concentrado e, simultaneamente, preocupado, perguntava-lhe: «Amor da minha vida, estás bem? Estás a desfrutar desta nova intimidade. Pelas tuas reações, penso que é a primeira vez, minha virgem amada?»

    Odete, olhava para o seu amado, na posição que ambos estavam e apenas lhe dizia: «Meu querido, acabo de ver estrelas, o sol, a lua e o universo. Como podes comprovar, entreguei-me a ti, de corpo e alma, ninguém na minha vida, teve o privilégio de me possuir. Sim, sou uma mulher realizada» e, dito isto, deu como que o último suspiro de prazer e, durante mais algum tempo, ficou naquele deslumbramento de prazer e realização feminina. Por sua vez, Daniel também teve um movimento de tremura muito forte, porque também ele atingira o clímax daquela relação tão íntima e amorosa.

    No lençol, os vestígios deixados por uma mulher virgem, bem com os de um homem, acabados de concretizar num ato da mais profunda intimidade, estavam à vista. Odete, vestiu um roupão. e foi colocar a roupa na máquina de lavar.

    Depois deste ato íntimo consumado, Daniel, alertou Odete para o facto de, no dia seguinte tomar a pílula que ele, prevendo o que poderia acontecer, tinha comprado na farmácia, dizendo-lhe: «Amanhã, tomas este comprimido, como precaução de uma possível gravidez, apesar de eu também me ter precavido, temos de estar bem seguros de que não ficarás grávida, pelo menos por agora meu doce amor.» Seguidamente, ambos se dirigiram à casa de banho, lavaram-se e voltaram para o quarto, desta vez para, continuarem com os carinhos pós-intimidade.

    Duas horas depois estavam completamente recompostos, por forma que, quando chegaram os pais, os dois estavam na sala, sentados no sofá, a verem um filme. Lancharam todos juntos e de seguida, Daniel despediu-se da família, foi acompanhado até à porta por Odete, que lhe deu um longo, muito quente e húmido beijo de amor.

Após a extraordinária tarde que ambos tinham passado, na semana seguinte algo de muito preocupante se viria a passar. Com efeito, os pais de Odete, receberam um convite para a filha ir trabalhar, para uma família distinta, como administradora de uma grande mansão, localizada numa cidade bastante distante, habitada por gente da alta nobreza portuguesa, sendo-lhe oferecido um excelente salário, com inclusão de dormida e refeições e os descontos legais para a Segurança Social.

    Os pais de Odete, incentivaram, na verdade, forçaram a filha a aceitar este trabalho, porque eles conheciam a referida família, por virem passar férias todos os anos para a praia, junto da casa de Odete.

    A jovem ficou muito confusa e, numa primeira reação, ela não se mostrou nada interessada, todavia, os pais disseram-lhe que deveria aceitar, porque eles estavam a ficar idosos, não poderiam sustentar quatro pessoas em casa: o casal, Odete e os dois irmãos, além disso era uma oportunidade de ouro para que a filha tivesse a sua independência económica. Ela ainda retorquiu que encontraria trabalho ali mesmo, num dos estabelecimentos da terra onde residia, mas os pais já tinham dado a palavra à família que queria Odete a trabalhar na mansão da alta nobreza.

    Odete fez a vontade aos pais, antes, porém, conversou com Daniel, a informá-lo do que estaria para acontecer brevemente, dizendo-lhe o seguinte: «Meu querido amor, eu agora tenho de aceitar esta situação, até porque entendo que não devo desobedecer aos meus pais, mas tu vais comigo, na minha mente, no meu coração, em toda a intimidade do meu corpo, sabes bem disso. Por outro lado, sempre haverá alguma forma de nos encontrarmos de vez em quando. Eu dar-te-ei o endereço e o número de telefone, combinaremos os nossos encontros a meio caminho, e quando eu atingir a maioridade, nem os meus pais nem os meus irmãos mandam em mim e, em último caso, fugimos e casamo-nos pelo registo civil. Não vejo outra alternativa.»

    Daniel ficou apavorado com esta notícia, mas não tinha como inverter a situação, por isso disse a Odete: «Amor da minha vida, acaba de cair o mundo em cima de mim, ou, melhor dito, em cima de nós. O que vou fazer aqui sem ti meu amor? Como vai ser a tua vida, no meio daquela gente “fina”? Se houver homens nessa família, seguramente que vais ser assediada e receio que te façam mal, usando da força. Claro que tens de aceitar, até porque é uma ordem do teu pai, ao qual não podes desobedecer. Querida, vai tranquila, eu te aguardarei até ao dia em que possamos ser livres, e decidir o nosso futuro. Ficas também no meu coração e na minha alma. Vai amor e que Deus te proteja de todos os males.» Posto isto, abraçaram-se, ambos choravam copiosamente, beijaram-se como nunca o tinham feito e despediram-se.

    No dia seguinte a este encontro, Odete embarca logo de manhã, no comboio que a haveria de conduzir a cerca de trezentos quilómetros de sua casa. Na estação de destino, aguardavam-na o casal, que ela muito bem conhecia, acompanhado de um jovem muito bem vestido, filho do casal, que logo a ajudou a levar a mala para o carro e lhe dirigiu alguns galanteios. Odete não gostou, mas teve de aceitar, sem responder a este jovem o qual, depois de entrar no carro, que ele próprio conduzia, convidou Odete sentar-se a seu lado, enquanto os pais dele se acomodavam no banco de trás. O rapaz, era o filho mais novo do casal, cujo nome viria a saber ser Aquiles.

    Chegados a casa, foi o próprio Aquiles que, uma vez mais, lhe levou a mala para o quarto que estava destinado a Odete. Os galanteios continuavam, assim como algumas perguntas indiscretas, tais como: «Odete tens namorado? Já alguma vez foste beijada por um homem? E relações íntimas já experimentaste?» e um “rosário” de perguntas não indiscretas parecia não ter fim. Da boca dela não se ouviu uma única palavra.

Aquiles saiu do quarto. Odete deitou-se na cama, as lágrimas soltaram-se, qual cascata de água, pela montanha abaixo. O seu querido e amado Daniel não lhe saia da cabeça. A trezentos quilómetros de distância, o namorado de Odete, era um rapaz sem alegria e sem vontade de viver. Não perdoava aos pais de Odete por lhe terem roubado o bem mais precioso que ele tinha neste mundo.

    Odete não conseguiu mais encontrar-se com Daniel, apesar de, periodicamente, combinarem encontros, os seus patrões não a deixavam sair.  Aquiles seguia-a por todo o lado. Era muito difícil, mesmo insuportável, continuar a trabalhar naquela casa, com uma família de filhos abusadores. Odete tinha prometido guardar fidelidade a Daniel, e assim queria continuar.

Sempre “espreitou” a melhor oportunidade para fugir, mas ela sentia-se permanentemente vigiada pelos três irmãos que residiam com os pais. Aquiles, Moisés e Manuel, lutavam pela “posse” de Odete, como se ela fosse um “objeto” para prazer deles.

    Odete não aguentava esta pressão e, num fatídico dia, resolveu pôr fim à vida, atirando-se de uma ponte para o rio. O corpo de Odete viria a ser recuperado, numa praia próxima da casa onde trabalhava, três dias após o seu desaparecimento.

    Daniel viria a saber do trágico acontecimento, pelo João, irmão de Odete. O funeral da jovem, que se suicidou, por a terem separado e “roubado” o amor da sua vida, realizou-se na sua aldeia, com um grande acompanhamento e um “coro” de críticas contra os pais dela. Daniel estava presente. Não se envergonhou de chorar abundante e publicamente, perante as centenas de pessoas presentes.

    No final do funeral, Daniel dirigiu-se ao pai de Odete e disse-lhe: «Senhor António, o dinheiro não vale nada perante uma catástrofe destas. Ficou sem a sua filha e eu sem o grande amor da minha vida. O senhor não permitiu que a sua filha Odete fosse feliz, com um rapaz da terra que tanto a amava. Afinal, parece que o senhor gostava mais de dinheiro, do que do bem-estar e felicidade da sua filha. Até sempre. Peço a Deus que lhe perdoe este “assassinato”.

    Daniel, aos poucos, regressou à sua vida normal. Nunca mais namorou e nunca chegou a casar-se. Vivia para o trabalho, para os pais e para uma vida que se arrastava penosamente, até que, um dia, disse aos pais que iria para um convento, onde poderia pensar na sua querida Odete e rezar pela sua alma.

Isso não era pecado, portanto, deslocou-se à Diocese da sua área de residência, e pediu ao senhor Bispo para o aceitar num dos conventos da Igreja Católica. O Bispo ficou muito feliz, não fez perguntas sobre os motivos que levavam o jovem para uma vida tão solitária, quanto difícil, mas grandiosa porque estaria mais próximo de Deus.

    Daniel, após o desaparecimento da sua amada Odete, entendeu que já nada mais fazia sentido na sua vida mundana. Tinha ouvido falar em mosteiros, conventos, monges e quando foi conversar com o senhor Bispo, sobre a possibilidade de ingressar num convento, ficou a saber que essa decisão lhe iria custar a renúncia a uma vida material. Entretanto recebeu uma carta do Senhor Bispo para se apresentar na Diocese e lhe ser explicado todo o processo monástico/conventual.

No dia aprazado, Daniel apresentou-se ao senhor Bispo que lhe disse: «Meu rapaz, estás de parabéns. Deus escolheu-te para a nobre missão de renúncia aos bens materiais mundanos. Espera-te uma vida celibatária, simples, de devoção espiritual, física e filosófica. Um vida dirigida à fé. Além disso, precisas evitar a prática de qualquer atitude que traga riquezas materiais, luxúria ou conflito com a tua jornada.»

    Depois da reunião com o senhor Bispo, Daniel foi informado que o Mosteiro de S. Bento de Singeverga, em Roriz, no concelho de Santo Tirso, o aceitaria, e que o lema desta instituição, era muito acessível, mas exigente: "ora e labora”, uma das regras beneditinas. Regressado da reunião com o senhor Bispo, Daniel conversou com seus pais dizendo-lhes que por eles tinha muito amor e respeito, mas que a sua vida neste mundo, sem Odete, não tinha qualquer sentido, por isso no dia seguinte abraçaria a vida monástica.

    Despediu-se de seus pais que, chorando muito, o abraçaram e o “encomendaram à proteção de Deus”. Ao princípio da tarde, Daniel apresentou-se no Mosteiro de Singeverga. Consigo levava apenas alguns pertences pessoais, tão só os necessários, para uma vida despida de luxos: roupas, sandálias, livros religiosos e um rosário, nada de ostentações.

Bem escondidas, algumas fotos da sua amada Odete. Foi recebido pelo Prior do Mosteiro, com muito carinho, e também inequívoca admiração. Foi-lhe atribuída a cela dezassete, coincidência divina, pois era a idade de Odete, na qual dispunha de uma cama, um lavatório, uma mesa com cadeira, um armário para guardar os seus haveres, e na parede um crucifixo. As casas de banho, coletivas, ficavam noutro local.

    Daniel foi informado que a hora de se levantar era às seis da manhã, para as primeiras orações do dia, depois do pequeno almoço, frugal e rápido, iria trabalhar algumas horas na lavoura das terras do mosteiro, depois do almoço, recolheria à sua cela para ler, escrever ou mesmo, se assim entendesse, rezar. Teria a tarde livre para se dedicar a atividades físicas, convívio com os restantes monges e o recolhimento seria pelas vinte horas, após o jantar.

    Daniel, logo que entrou no mosteiro, como que se sentiu liberto do peso do mundo cruel, em que tinha vivido. Ali, tudo era paz, respeito, oração, trabalho e espiritualidade. Na sua cela, no silêncio da noite, à luz de uma vela, ele tirava da mala que estava no armário, a fotografia da sua amada Odete, sorria, chorava e rezava por ela, para que estivesse bem, junto de Deus.

    Passado um ano da sua presença no mosteiro, Daniel é acometido de doença grave, uma pneumonia que o frio e humidade do mosteiro o apanharam já bastante fragilizado. Foram feitos todos os esforços para o salvar, mas acabou por sucumbir, precisamente no mês de agosto, quando dois atrás, tinha conversado com Odete e sido muito feliz.

    Antes de se entregar a Deus, ainda lúcido, Daniel pronunciou a seguinte frase: «Minha querida Odete, brevemente nos encontraremos para toda a eternidade. Vou já ao teu encontro e que Deus, na sua bondade infinita, compreenda o nosso amor havido na Terra. O meu último beijo te envio a partir deste mundo terreno.» Um longo suspiro, tombou a cabeça para o lado esquerdo, e assim “adormeceu” com Odete no coração, e na paz de Jesus Cristo.

    No dia do funeral de Odete, os pais da jovem, procuraram Daniel, e profundamente arrependidos, pediram-lhe perdão. A urna, chumbada, com os restos mortais de Odete foi para o jazigo da família dela, onde caberiam mais seis corpos. Por ocasião do falecimento de Daniel, os seus restos mortais, vieram, igualmente, para o mesmo cemitério, onde Odete já o “esperava”.

    O pai de Odete pediu aos pais de Daniel, para autorizarem que o corpo do filho fosse colocado no mesmo jazigo, onde estava Odete, na prateleira em frente à dela. Os pais de Daniel, agradeceram ao senhor António e esposa, por lhe concederem esta autorização, que seria vitalícia. Onde quer que estivessem.

    Odete e Daniel iriam ficar muito felizes, tal como na terra já o eram. No final do funeral de Daniel, as famílias dos dois lados, abraçaram-se e ficaram amigas. Nada mais havia a fazer, para além de rezarem sempre, pela alma de duas pessoas jovens, que lutaram e morreram pelo amor que as unia e as encaminhavam para a felicidade.


Venade/Caminha – Portugal, 2023

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

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