Cumprir Deveres para Usufruir Direitos- Diamantino Bártolo

               Penso ser legítimo, e correto, afirmar que a construção de um mundo de paz, depende muito mais do homem, que na sua liberdade de vontade, não sujeita ao determinismo absoluto, pode voluntária e intencionalmente criar as condições, através das ações concretas, para um entendimento global. Naturalmente que tal intencionalidade pressupõe abdicar de interesses diversos, que possam colidir com a arquitetura de uma paz duradoira, num mundo moderno, solidário e fraterno, onde todos os homens tenham uma oportunidade de cooperar mutuamente.

A Filosofia, atualmente, tem vindo a encontrar sérios obstáculos, quanto à tradicional e milenar importância que vinha mantendo, face ao avanço das ciências em geral, e das ciências cognitivas em particular. As ciências da cognição, não só se apresentam como um novo género epistemológico, como também reivindicam para o seu objeto de estudo, aqueles problemas que abordam as questões antropológicas, tradicionalmente características das análises filosóficas e teológicas.

Mas, entretanto, e no tema que nos interessa aqui abordar, o que se pergunta é: como é que as ciências cognitivas podem auxiliar a humanidade para o cumprimento integral dos Direitos do Homem? Uma abordagem antropológica, em que a categoria “relação” assuma a importância fundamental, não a relação Homem-Deus, porque esta é inevitável para todo o homem crente e, mesmo o não-crente, em situações-limite, também procura relacionar-se com o Transcendente.

Analogicamente, emerge como um imperativo categórico, implementar uma praxis relacional, homem-a-homem, aliás: «torna-se necessário ter em conta que todo o discurso humano: quer o discurso bíblico; quer o discurso filosófico-teológico; quer igualmente o discurso científico, não podem deixar de recorrer a modelos e analogias. Por consequente, falar de uma ou mais antologias que constituam como que a “ossatura” de uma “antropologia integral”, filosófica, teológica e científica, não pode deixar de significar falar de ontologias elaboradas em contextos de determinados modelos de saber em vários domínios...» (DINIS, 1998:587).

Nesta “lógica” e sob o princípio e convicção da fé, sabemos que: «Deus chama todo o homem (...). É evidente que esta chamada pessoal de comunhão (...) torna-se possível pela existência de uma determinada estrutura psicofísica (...). Tenha-se além disso presente que este chamamento divino determina o substrato criatural profundo do homem, fá-lo ser aquilo que é. A transcendência do homem sobre o meramente mundano, a sua capacidade de superar os condicionalismos deste mundo, bem como a sua “imortalidade”, derivam, portanto, do facto deste chamamento à comunhão com Deus (...). O ser pessoal do homem, pressuposta a sua constituição psicossomática está constituído por esta possibilidade que se lhe oferece de entrar em comunhão com Deus.» (Ibid.:588).

Desenvolvendo aquele modelo, e transferindo a relação Deus-Homem para Homem-Homem, verifica-se que seria possível, pelo menos, e para já, tentarmos implementar este novo paradigma, porque: «Além disto, a categoria de relação recupera todo o discurso contemporâneo acerca do carácter relacional do corpo e da pessoa, não apenas no convívio social, mas também com a sua relação e todo o universo. (...) A pessoa é toda a realidade relacional que foi “construindo”, através da sua vida, da sua história pessoal, desde o momento da concepção. Esta totalidade da existência humana que é a pessoa, embora se vá desvanecendo com o tempo, sobrevive de algum modo na sua memória enquanto vive na história...» (Ibid.:590).

O cumprimento dos deveres, em ordem à salvaguarda e respeito pelos Direitos Humanos, não poderá deixar de adaptar, na prática, um modelo idêntico ao que acabamos de descrever, para resolver a velha dualidade corpo-alma, na medida em que, se todos nós, seres humanos, nos configurarmos à imagem e semelhança de Deus-Pai, então, poderemos encontrar n’Ele, o princípio unificador e respeitador dos mais sagrados Direitos do Homem.

Não deve repugnar aos filósofos, e muito menos aos homens não-crentes, este recurso epistemológico e, agirmos uns para com os outros, em comunhão, respondermos uns aos outros, quando chamados a cooperar para o bem comum da sociedade, de que fazemos parte, num todo de Direitos e Deveres.

A ciência, naturalmente, vem contribuindo para que os Direitos Humanos possam ser observados, na medida em que resolve muitos problemas de natureza económica, que estão na origem das violações daqueles direitos, todavia, não será a única via e nesse sentido: «Em todos os tempos, o homem tem inspeccionado o seu contorno com os olhos bem abertos e uma inteligência fecunda, em todos os tempos faz descobertas incríveis e em todos os tempos podemos aprender das suas ideias.» (FEYERABEND, 1997:302).

No virar de século ou de milénio, ou, se quisermos, neste primeiro quarto do novo século XXI, não devemos temer o progresso científico, entendido como categoria antropológica, com vista à harmonização de uma convivência humana sadia e justa. As ciências, quaisquer que sejam, não podem ignorar o bem-estar da humanidade, porque é este o sentido que em que pretendo continuar a desenvolver os meus raciocínios, as minhas atitudes e comportamentos. Neste contexto poderíamos abordar várias perspectivas do progresso científico:

a) Conceito Neopositivista - Perspectiva Formalista do progresso científico, cujos representantes: «acreditam firmemente que tinham encontrado no princípio da verificação o critério rigoroso e definitivo para confirmar teorias científicas e, por conseguinte, para determinar quando uma nova teoria representa ou não um progresso.» (DINIS, s.d., II-A 1-A);

b) Conceito Popperiano - Criticou o monopositivismo e para ele (Popper): «O progresso científico obtém-se quando as teorias resistem a sucessivas tentativas de falsificação. (...) O que confere cientificidade a uma teoria e a possibilidade de vir a ser submetida a testes e falsificada. (...) A resistência aos testes aproxima a teoria da verdade e representa um critério de progresso científico.» (FEYERABEND, in: DINIS, 2);

c) Conceito Kunniano - «O progresso científico verifica-se através de revoluções científicas, isto é, da substituição revolucionária de um paradigma por outro. O novo paradigma resolve mais anomalias e tem uma capacidade heurística superior à do anterior. Nesta perspectiva o progresso é visto em termos estritamente epistemológicos.» (FEYERABEND, in: DINIS, 3);

d) Conceito Lakatosiano - «O progresso científico não se verifica na passagem de uma teoria a outra, mas sim de um programa de investigação científica a outro. (...). Um programa de investigação progride enquanto o seu crescimento teórico se antecipa ao seu conhecimento empírico, isto é, enquanto continua a predizer factos novos com algum sucesso...» (FEYERABEND, in: DINIS, 4);

 

Bibliografia.

 

DINIS, Alfredo, (1998). Implicações de Desenvolvimento em Biologia e Ciências Cognitivas, in: Revista Portuguesa de Filosofia, Tomo LIV, Braga, Fascs. 3-4

DINIS, Alfredo, (s.d.) O Progresso Científico como Categoria Antropológica, (Apontamentos), Faculdade Filosofia de Braga, S.A. Braga

FEYERABEND, Paul, (1997). Tratado contra el Método, Terceira Edicion, Madrid: Tecnos,

POPPER, Karl R, (1992). Em Busca de um Mundo Melhor, 3a ed. Tradução, Teresa Curvelo. Lisboa: Editorial Fragmentos.

SEARLE, J., (1987). Mente, Cérebro e Ciência, Lisboa: Edições 70


 

 

Venade/Caminha – Portugal, 2024

Com o protesto da minha permanente GRATIDÃO

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

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